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TENDÊNCIAS/DEBATES
É hostil ao cristianismo a decisão da Corte Europeia que condenou crucifixo em escolas italianas?
NÃO
Igual liberdade religiosa para todos
ALDIR GUEDES SORIANO
A DECISÃO da Corte Europeia
de Direitos Humanos concernente ao caso Lautsi v. Itália,
contrária à exposição de crucifixos
nas escolas públicas italianas, não pode ser considerada hostil à religião.
O julgamento foi totalmente embasado na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950), que impõe
aos Estados signatários, incluindo a
Itália, a obrigação de respeitar o direito que os pais possuem de educar os
filhos de acordo com suas próprias
convicções religiosas e filosóficas.
Os dois filhos da senhora Lautsi frequentaram uma escola pública em
que todas as salas de aula tinham um
crucifixo na parede.
Incomodada com a influência diária que esse símbolo exercia na educação religiosa de suas crianças e com
o argumento de que a situação feria o
princípio da laicidade (secularismo)
do Estado italiano, tentou solucionar
o problema com a direção da escola.
Como a escola decidiu manter os
crucifixos, levou, sem sucesso, o caso
à Justiça italiana. Posteriormente,
Lautsi buscou a jurisdição da Corte
Europeia de Direitos Humanos, que
condenou o Estado italiano a pagar
5.000 euros a título de indenização.
A corte entendeu que a exposição
do crucifixo restringe o direito de alguns pais de educar suas crianças em
conformidade com suas próprias convicções, bem como o direito das
crianças de acreditar ou não acreditar. A presença do símbolo religioso
atuaria nas crianças como sutil imposição da crença representada, levando-as ao constrangimento.
O julgamento, que foi levado a cabo
por uma câmara de sete juízes da Corte de Estrasburgo, no último dia 3,
tem o amparo da legislação internacional de direitos humanos.
Segundo o artigo 9º da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos,
"qualquer pessoa tem o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião". Além disso, segundo
o artigo 2º do protocolo nº 1 dessa
mesma convenção, "o Estado deve
respeitar o direito dos pais de garantir
educação e ensinamentos em conformidade com suas próprias convicções
religiosas e filosóficas".
Por unanimidade, entenderam os
juízes que houve, no caso concreto, a
violação desses dois dispositivos daquela convenção.
É importante observar que a decisão não proíbe o uso do crucifixo pelo
cidadão, que é titular ativo do direito
à liberdade religiosa. Este poderá usar
seus emblemas religiosos nas escolas
públicas italianas sem restrição.
Por outro lado, no contexto não
confessional ou laico, o Estado não é
titular ativo do direito à liberdade religiosa. Assim, a exposição de símbolos religiosos pelo próprio Estado viola sua neutralidade e a isonomia em
relação à diversidade religiosa existente na sociedade. O Estado, em tese,
não tem o direito de ostentar símbolos religiosos. Cabe a ele proteger os
direitos e as liberdades do cidadão.
Ademais, a sentença da corte não
alcança as escolas particulares de natureza confessional.
A decisão da corte representa conquista histórica a favor da igual liberdade religiosa para todos os cidadãos.
Por certo, a exposição do símbolo
de uma única religião em todas as salas de aula dessa escola pública da Itália não pode ser considerada direito,
mas privilégio que viola a laicidade
estatal e o princípio universal da liberdade religiosa.
Por isso, não se pode dizer que a decisão é hostil à religião. Na verdade, a
Corte Europeia se posicionou a favor
do ser humano, cujos direitos devem
ser preservados.
Por fim, não há dúvidas de que essa
importante decisão de Estrasburgo
está em conformidade com o direito
internacional e com o desafio constante de proteger os direitos e as liberdades fundamentais da pessoa humana e sua dignidade.
ALDIR GUEDES SORIANO , 47, advogado e membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP, é
coordenador da obra coletiva "Direito à Liberdade Religiosa: Desafios e Perspectivas para o Século XXI".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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