São Paulo, terça-feira, 07 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Inovar para sustentar o crescimento

GLAUCO ARBIX, MARIO SERGIO SALERNO
e JOÃO ALBERTO DE NEGRI


Na definição de novos instrumentos voltados para a sustentabilidade do crescimento, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) do governo federal ocupa um lugar de relevo. Há muitos anos o Brasil não dispunha de uma diretriz desse porte. Dada nossa história, é comum a associação de políticas industriais com a criação de estatais, grandes subsídios, proteções e substituição de importações -que criaram as bases da nossa industrialização, mas permitiram uma acomodação do esforço competitivo. A política industrial do governo apontou um rumo distinto. Como potencializar os ganhos da política econômica e o crescimento atual?
As empresas investem pouco em inovação comparativamente a seus competidores internacionais. E a competição por inovação e diferenciação de produto é a mais relevante para o desenvolvimento. O Ipea acaba de concluir estudos mostrando os benefícios da inovação para o desempenho e a sustentabilidade da economia, bem como para os salários. A PITCE tem como foco a inovação e o incentivo à diferenciação de produtos. Para tanto, foi estruturada ao redor de três planos complementares:
1) Horizontal -com ações para o desenvolvimento tecnológico, a inserção externa, a modernização (incluindo pequenas e médias empresas e arranjos produtivos locais) e o ambiente institucional. 2) Opções estratégicas -semicondutores, software, bens de capital e fármacos e medicamentos. 3) Atividades portadoras de futuro -biotecnologia, nanotecnologia e biomassa.


A competição por inovação e diferenciação de produto é a mais relevante para o desenvolvimento


A PITCE é um componente-chave para a construção do futuro do país. Nesse sentido, é uma ruptura com o espírito da década passada, quando a melhor política industrial era não ter política industrial. Não falamos de programas isolados, mas de uma política integrada, orientada para sintonizar a indústria brasileira com o que de melhor se produz no mundo. Não há mágica para tanto e sua execução é difícil e lenta. Antes de tudo, porque o Estado foi drenado em sua capacidade estruturante. Está desacostumado e desaparelhado institucionalmente para a elaboração e implementação de políticas voltadas ao crescimento de médio e longo prazo. Por isso é preciso dar tempo para a democracia trabalhar, de modo que os agentes públicos e privados possam interagir, renovar comportamentos e dar vida a novas concepções.
Alguns especialistas anunciam que nenhuma política industrial encontrará espaço próprio em meio às restrições macroeconômicas. Provavelmente estão com os olhos nos anos 90 ou pararam nos 50. As restrições certamente atingem a PITCE, como de resto todas as políticas públicas. Há espaço, porém, para uma política industrial contemporânea capaz de combinar políticas tecnológicas e de inserção internacional. É preciso alavancar o potencial das empresas, pois só elas são capazes de transformar o desenvolvimento científico e tecnológico em produto, via inovação.
Uma política de tal porte deve ser compreendida como um processo articulado com o conjunto das políticas de governo voltadas para sustentar o crescimento. Por isso a PITCE foi elaborada pela Câmara de Política Econômica, tendo à frente o Ministério do Desenvolvimento, a Fazenda, o Planejamento, a Casa Civil, Ciência e Tecnologia e outros. Para viabilizar a coordenação e agregar competências estão sendo criados a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial.
Uma série de ações foi deflagrada, seguindo o documento "Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior", de novembro de 2003. Assim, já foram adotadas medidas de desoneração de investimentos e ações para facilitar e incentivar as exportações; foram promovidos produtos e marcas e viabilizados centros de distribuição nos EUA e na Europa.
Na mesma direção, a Lei de Inovação possibilitará melhor interação entre instituições públicas de pesquisa e empresas, para que a nossa boa produção científica se transforme em produtos e riqueza. Com esse mesmo espírito, os fundos setoriais coordenados pelo MCT estão reorientando suas ações e o BNDES criou programas para fármacos, bens de capital e software, além do Funtec, fundo tecnológico destinado a reduzir o risco do desenvolvimento tecnológico empresarial. Foi assim também que a Finep e o CNPq lançaram programas para a formação de recursos humanos e desenvolvimento de áreas específicas. E que o Inpi está sendo reestruturado e o Inmetro investe em metrologia científica.
A questão de fundo é que as ações deflagradas pela PITCE são muitas e diversificadas. E sua relevância a diferencia de alguns adereços apresentados ao longo dos anos 90.
Há ainda muito por fazer. Mas é animador saber que está se abrindo no país um novo capítulo, em que políticas inovadoras de Estado começam a entrar em sintonia com um empresariado mais preparado e disposto a ampliar seu espaço nos cenários interno e externo. Os bons resultados da política macroeconômica, a continuidade das reformas e o desenvolvimento da PITCE criam uma rara oportunidade para a concretização de mudanças estruturais no sistema produtivo e para a viabilização de um longo ciclo de crescimento no Brasil.

Glauco Arbix, 55, professor do Departamento de Sociologia da USP, é o presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Mario Sergio Salerno, 47, professor da Escola Politécnica da USP, é diretor de Estudos Setoriais do Ipea. João Alberto de Negri, 36, é diretor-adjunto de Estudos Setoriais do Ipea.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Boris Fausto: Um haraquiri político?

Próximo Texto:
Painel do leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.