São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2000


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Dois mundos, mesma cena

CLÓVIS ROSSI

Jacarta - É meio-dia. Do alto do minarete da mesquita próxima, sai a convocação para os muçulmanos orarem. Fico esperando o efeito sobre frequentadores e empregados do "Plaza Indonesia", um dos muitos centros de compra construídos nos anos de "boom" econômico, quase postos a pique pela crise de 1997.
Nada. O lamento do minarete parece menos potente que o apelo dos hambúrgueres do McDonald's ou das vitrinas da Ermenegildo Zegna.
Deveria ficar surpreso. Afinal, a Indonésia é o país de maior população muçulmana do mundo (87% de seus 207 milhões de habitantes). Mas já aprendi que muçulmano indonésio e católico brasileiro são parentes: sua religiosidade é muito mais nominal que real, exceto por uma minoria de fiéis de verdade, é claro.
Pelo menos nesse microcosmo, o "choque de civilizações" que alguns temem, se houve, já foi vencido. Deu McDonald's.
O choque, na verdade, é outro. Dentro do "plaza", o inglês é corrente, desde as vitrinas até as orientações. Ostentação é o que não falta.
Fora dele, é o reino do bahasa indonésio, a língua nacional, e de cenas bem brasileiras, dos pedintes nos cruzamentos aos vendedores de badulaques, dos ônibus arcando sob o peso da idade e da clientela passando ao lado de reluzentes BMWs último modelo, ambos deslizando devagar no trânsito caótico.
Nem 32 anos de regime autoritário, o do general Suharto, nem o impressionante crescimento do período nem o fato de ter sido menos excludente do que o desenvolvimento brasileiro serviram para apagar imagens de desigualdade e subdesenvolvimento.
O verdadeiro "choque de civilizações", no Brasil como na Indonésia, é entre os que podem muito e querem mais e os que pouco têm. Para estes, talvez só reste mesmo orar, como pede a voz que sai do minarete.


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