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Dois mundos, mesma cena
CLÓVIS ROSSI
Jacarta - É meio-dia. Do alto do minarete da mesquita próxima, sai a
convocação para os muçulmanos orarem. Fico esperando o efeito sobre frequentadores e empregados do "Plaza
Indonesia", um dos muitos centros de
compra construídos nos anos de
"boom" econômico, quase postos a pique pela crise de 1997.
Nada. O lamento do minarete parece menos potente que o apelo dos
hambúrgueres do McDonald's ou das
vitrinas da Ermenegildo Zegna.
Deveria ficar surpreso. Afinal, a Indonésia é o país de maior população
muçulmana do mundo (87% de seus
207 milhões de habitantes). Mas já
aprendi que muçulmano indonésio e
católico brasileiro são parentes: sua
religiosidade é muito mais nominal
que real, exceto por uma minoria de
fiéis de verdade, é claro.
Pelo menos nesse microcosmo, o
"choque de civilizações" que alguns temem, se houve, já foi vencido. Deu
McDonald's.
O choque, na verdade, é outro. Dentro do "plaza", o inglês é corrente, desde as vitrinas até as orientações. Ostentação é o que não falta.
Fora dele, é o reino do bahasa indonésio, a língua nacional, e de cenas
bem brasileiras, dos pedintes nos cruzamentos aos vendedores de badulaques, dos ônibus arcando sob o peso da
idade e da clientela passando ao lado
de reluzentes BMWs último modelo,
ambos deslizando devagar no trânsito
caótico.
Nem 32 anos de regime autoritário,
o do general Suharto, nem o impressionante crescimento do período nem
o fato de ter sido menos excludente do
que o desenvolvimento brasileiro serviram para apagar imagens de desigualdade e subdesenvolvimento.
O verdadeiro "choque de civilizações", no Brasil como na Indonésia, é
entre os que podem muito e querem
mais e os que pouco têm. Para estes,
talvez só reste mesmo orar, como pede
a voz que sai do minarete.
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