São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Protecionismo é veneno

ABRAM SZAJMAN


Protecionismo não é remédio, mas veneno. Pode aliviar o desemprego em um dado país, mas piora a situação global

"OS MESMOS políticos que falam em favor do livre comércio recebem nos gabinetes lobistas que pedem medidas protecionistas." A afirmação da ministra do Comércio da Suíça, Doris Leuthard, durante a reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos, resume o perigo do retrocesso nas relações comerciais internacionais que se manifestou neste início de ano de forma preocupante.
Nos Estados Unidos, o sinal de alerta acendeu com as emendas protecionistas que deputados e senadores se esforçaram por colar no pacote econômico do presidente Obama. "Há gente querendo jogar o livre comércio na latrina", dramatizou o diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Pascal Lamy, diante das ameaças generalizadas de recrudescimento do protecionismo. No Brasil, o susto veio de onde menos se esperava. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior -que, até por sua designação, deve atuar para ampliar as trocas externas do país, jamais para restringi-las- baixou da noite para o dia, sem nenhuma discussão prévia, uma absurda e anacrônica exigência de licenças prévias de importação para cerca de 3.000 produtos, configurando uma barreira comercial não tarifária e incompatível com os tratados internacionais apoiados pelo Brasil.
O fato de a vigência dessa medida ter durado pouco, pois logo foi revogada por ordem expressa do presidente Lula, não apaga o mal-estar que produziu tanto em nossos parceiros comerciais externos quanto internos. Quando burocratas de segundo escalão de um ministério, aproveitando-se da ausência do titular, sentem-se capazes de afrontar as bandeiras em prol do livre comércio que o presidente da República vem corretamente divulgando em suas viagens e nos organismos internacionais, torna-se possível mensurar a força e a audácia dos que não gostam de competir.
De repente, a sensação foi a de uma volta ao tempo em que o comércio e os consumidores eram cativos do "similar nacional", eufemismo usado para banir do mercado a concorrência dos produtos importados -com toda a carga de atraso e preços elevados que por anos tivemos que pagar por computadores e carros defasados tecnologicamente, para citar apenas os exemplos mais dolorosamente vivos na memória.
O pretexto invocado para tentar justificar o injustificável foi o déficit de US$ 518 milhões na balança comercial brasileira verificado em janeiro, que interrompeu uma série de 93 meses seguidos de superávit. Embora o resultado negativo seja pontual, fruto da queda dos preços e do volume das commodities que exportamos, o que o governo deve fazer, se quiser assegurar a manutenção do ciclo de saldos positivos, é, em vez de inventar barreiras às importações, tomar decisões de estímulo à exportação, inclusive para micro e pequenas empresas. Linhas de crédito e seguro, ampliação das rotas marítimas e aéreas, minimizando os transbordos e possibilitando o uso compartilhado de contêineres, são algumas das ações que podem levar empresas de diferentes portes e ramos de atividade a participar da atividade exportadora.
Além de se esforçar por concluir a Rodada Doha e para alinhavar acordos bilaterais que possibilitem vender mais, para um maior número de parceiros, de reduzir a burocracia aduaneira e melhorar a infraestrutura, o Brasil precisa aproveitar seu enorme potencial -ainda inexplorado- de exportação de serviços. De telemarketing a serviços bancários por internet, temos um mundo de coisas a oferecer, em especial a quem não tem opção local de qualidade. Os nossos principais bancos, tão ágeis na hora de aumentar o "spread", poderiam, por exemplo, competir em mercados como África, Ásia, América Central e Caribe, em vez de abrir agências apenas em Paris ou Nova York. E, além de produtos e serviços, precisamos começar a exportar marcas, que proporcionam maior receita e valor agregado.
Em resumo, quando, no quadro da grave crise internacional que assola o planeta, alguns países e governos entram no perigoso jogo de proteção aos "produtores nacionais", o Brasil deve manter um papel ativo para ampliar as correntes de comércio, solução duradoura por seu efeito multiplicador de emprego e renda. Protecionismo não é remédio, mas veneno. Pode aliviar o desemprego em um dado país, num momento específico, mas piora a situação global. No longo prazo, seus efeitos são desastrosos. Os estudiosos são unânimes em reconhecer o protecionismo como o principal fator que ajudou a transformar a crise de 1929 na Grande Depressão. Não podemos, 80 anos depois, cometer o mesmo erro fatal.

ABRAM SZAJMAN , 69, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), do Centro de Comércio do Estado de São Paulo e dos Conselhos Regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).


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