São Paulo, terça-feira, 08 de março de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Desmistificando Lula

ALBERTO GOLDMAN

Lula já montou o palanque de 2006 e não sai mais dele. Está em franca campanha. Porém não apresenta resultados concretos: a recuperação de empregos é tímida e se apóia no emprego precário, as médias salariais continuam caindo, a concentração de renda aumenta, os programas sociais não avançam, as taxas de juros e a carga tributária batem recordes mundiais e os investimentos produtivos e em infra-estrutura continuam em ritmo lento.
Restou ao presidente, abalado pela derrota na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, abusar da retórica, vazia, demagógica e de alto risco, e articular uma reforma ministerial sem nenhuma preocupação com a eficácia do governo para construir uma aliança com o objetivo único de disputar as próximas eleições. Para manter o poder no futuro, compromete o país no presente.


A era Lula guarda uma relação com o período Médici. Então também se dizia que a economia ia bem, mas o povo ia mal


Como presidente, Lula mostrou facetas que poucos conheciam. Arquivou o núcleo do pensamento reformista/revolucionário do PT, inclusive os princípios éticos que, supunha-se, defendia, conformando-se e adaptando-se aos grupos de poder econômico e político existentes, sem no entanto abandonar o discurso que se ajusta conforme a platéia, através do qual mantém uma relação direta com o povo.
Deslumbrado com o poder, sem conseguir dar um rumo ao governo, equilibra-se distribuindo cargos e atendendo aos interesses mais diversos. Acena para empresários com a mesma ênfase com que promete aos humildes. Partidariza a administração pública, inclusive transformando agências de Estado em repartições do governo, para garantir o domínio do (e sobre o) seu partido. Sistematicamente recorre à mistificação, ao divulgar dados falsos, e ao populismo, ao se mostrar contrariado com o seu próprio governo como se este não fosse de sua responsabilidade e a expressão do seu pensamento e de suas alianças.
Seu discurso emocionado e solidário com o povo mais pobre não guarda nenhuma relação com as ações concretas de seu governo. O programa Primeiro Emprego, ou o abastecimento de medicamentos essenciais, ou a manutenção das estradas mostram o abismo entre o discurso e os resultados. A não ser o programa Bolsa-Família, em que o presidente se arvora, falsamente, como seu criador e que deixou de ser um programa que objetivava manter a criança na escola e a família com atendimento médico para ser somente assistencialista, o governo não tem nada para mostrar.
Alguns valores fundamentais de uma sociedade democrática, moderna e republicana, arduamente conquistados, vêm sendo atingidos. O governo Lula é concentrador de poder. Enquanto nos oito anos de governo FHC a participação da União na carga tributária total foi, em média, de 56,6% (descontadas as transferências obrigatórias para Estados e municípios), só nos dois anos de Lula a participação da União subiu, em média, para 58,5%, à custa particularmente dos Estados, que perderam participação. A austeridade fiscal no atual governo vem se dando através do aumento de impostos e contribuições. Nos oito anos de FHC, a carga tributária federal foi, em média, de 17,9% do PIB (também descontadas as transferências), enquanto nos dois anos de Lula a média é de 21,1% do PIB, e crescente.
O ano de 2005 se iniciou com a MP 232, que é mais um aumento de receitas para a União. Por outro lado, as despesas têm aumentado sistematicamente, sem nenhuma ação do governo para as conter. Só em 2004 superaram em mais de 20% os gastos de 2003. Poder-se-ia esperar que, ao menos, isso produzisse mais eficiência e melhores resultados da máquina administrativa. Ao contrário...
O desenvolvimento da era Lula guarda uma relação surpreendente com o período Médici. Então também se dizia que a economia ia bem, mas o povo ia mal. O mesmo pode se dizer hoje. O crescimento do PIB em 2004, cantado em verso e prosa em relação ao desastroso ano de 2003, está em torno de 5%, mas a repercussão sobre os índices de emprego é limitada (o desemprego em 2003 foi de 12,3% e em 2004, de 11,5%) e o rendimento médio real dos ocupados continua caindo. Isso significa, sem sombra de dúvida, que o processo de concentração de renda se agravou durante o governo Lula.
Lula tenta -e tentará, como vem fazendo, até as eleições de 2006- encobrir a fragilidade de seu governo e a pobreza dos resultados na vida de cada cidadão pela presença contínua na mídia, vendendo a imagem do homem humilde indignado com a miséria, nem que seja à custa de pequenas ou grandes mentiras. Porém não há como separar Lula de seu governo. São duas faces da mesma moeda.
O PSDB identifica, em seu papel na oposição, a importante missão de desmistificar o presidente. Para isso dispomos de unidade de ação e de disposição de luta. Vamos nos apresentar à opinião pública com um perfil nítido, de um partido que tem coerência na ação política, que privilegia o interesse público, que enfrenta o fisiologismo e não acoberta nem compactua com a corrupção.

Alberto Goldman, 67, deputado federal pelo PSDB-SP, é o líder do partido na Câmara. Foi ministro dos Transportes (governo Itamar Franco) e secretário da Administração do Estado de São Paulo (governo Quércia).
@ - goldman@telnet.com.br



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