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SOLUÇÃO SUSPEITA
Não há a menor dúvida de que
pedintes, flanelinhas, camelôs
e prostitutas representam um incômodo. Daí a banir por lei essas atividades, como pretende fazer a Cidade
do México dentro de dois meses, vai
uma enorme diferença.
Não é preciso especialização em
sociologia para compreender que
não é por um prazer secreto e inconfessável que pessoas se submetem a
pedir esmolas. Essa é mais uma manifestação da miséria, que não pode
ser extinta por decreto, infelizmente.
A própria idéia de criminalizar essas condutas tem uma origem suspeita. Como mostrou reportagem de
Fernando Canzian, as novas regras
foram votadas por sugestão da consultoria Giuliani Group, que pertence ao ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani (1994-2002), que implementou a célebre "tolerância zero" na cidade. E foi o megaempresário Carlos Slim, dono da Telmex e de
dezenas de projetos imobiliários na
capital mexicana, quem contratou a
Giuliani Group para assessorar a administração da cidade.
É inegável que a "tolerância zero"
produziu efeitos positivos em Nova
York. Mas a Cidade do México não é
Nova York. Não se pode varrer a pobreza de uma megalópole do Terceiro Mundo para baixo do tapete. É
preciso dar às milhares de pessoas
que vivem das atividades que se tornarão ilegais uma alternativa de sobrevivência, o que a lei deixa de fazer.
Como bem observou Fernando Coronado, diretor-geral da Comissão
de Direitos Humanos do Distrito Federal mexicano, "a medida afetará
pessoas que não produzem vítimas e
não se encaixa em um regime democrático". De fato, há razões para temer que a nova lei atente contra a liberdade dos mexicanos pobres de
buscar o seu sustento.
Condenar a medida não significa
renunciar a disciplinar o trabalho informal na cidade. Nada impede que a
administração local designe áreas específicas para os camelôs e inclua os
menores pedintes em programas sociais que lhes dêem alguma renda e
escola, para citar dois exemplos.
Não será, porém, transformando a
pobreza em crime que os mexicanos
vão se livrar dela.
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