São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Os neobonzos

RIO DE JANEIRO - A mania pode pegar: pessoas desesperadas por causa do desemprego, da falta de perspectiva no mercado de trabalho, repetem aquele ritual que andou em moda ao tempo da Guerra do Vietnã, quando alguns bonzos, com as vestes cor de laranja, colocavam-se em lugares públicos, derramavam gasolina no corpo e tacavam fogo.
Era impressionante ver as fotos dos bonzos, no velho Cineac, um cineminha que passava jornais cinematográficos feitos lá fora. Viam-se as mãos postas, a pose flor de lótus, que permanecia intacta até que os corpos fossem transformados em cinzas.
Não pareciam desesperados. Incendiavam-se em sinal de protesto contra isso ou aquilo -a guerra comia solta, numa escalada que criou milhares de fotos piores do que a do sacrifício expiatório dos bonzos.
Desesperadas eram as noivas abandonadas, as mulheres traídas pelos maridos que, no estilo do noticiário policial da época, "ateavam fogo às vestes". Não faz muito, um cidadão menos radical ameaçou jogar-se do plenário do Senado, foi contido pelos seguranças e passou o pires entre os pais da pátria, levando para casa alguns trocados, coisa de duzentos e poucos reais, doados pelos senadores de bom coração.
Enquanto o espetáculo do crescimento não chega, apesar de repetidamente prometido pelo presidente da República, ficamos condenados a consumir espetáculos menores como aperitivo para as maravilhas que nos esperam.
A alternativa para o sacrifício pessoal tornou-se mais sedutora: é o sacrifício coletivo a que estamos condenados pela onda da violência que continua crescendo e dando mostras de que não pode ser controlada pelos setores responsáveis da sociedade.
Tudo vai depender da escala: o fosso de água em torno do Planalto pode apagar as chamas e salvar a vida dos recalcitrantes. Mas da fossa geral ninguém está salvo.


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