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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Noites vazias

RIO DE JANEIRO - Acontece no Rio e, em escala ainda menor, em São Paulo, em cidades grandes, médias e até mesmo em algumas pequenas: as noites ficaram vazias. Nas metrópoles, permanecem alguns pontos de agito noturno, onde se concentram restaurantes e bares da moda. Mas o resto é uma desolação, um deserto asfaltado e sinistro.
Da minha varanda aqui na Lagoa, antigamente via o desfile da colossal lagarta de luz dos carros que vinha do túnel Rebouças a caminho da Zona Sul e da Barra. E, na pista contrária, a imensa cobra coral, vermelha e negra, dos carros que se dirigiam para a Zona Norte. Era letal atravessar as pistas. À noite todos os gatos e transeuntes são pardos, e os motoristas vêm menos e pior.
A Lagoa funciona como um "rond point" gigantesco, com mais de 64 entradas e saídas para o tráfego que vem e vai para toda a cidade. Em torno da poça onde os tamoios caçavam socós, os túneis fizeram um carrossel urbano, que distribui grande parte do tráfego do Rio.
E agora, a partir das 21 ou 22 horas, justamente quando era intensa a procura pelos cinemas, pelos bares de Ipanema, Leblon e Barra, as duas pistas ficam desertas, a lagarta de luz se recolheu, a cobra coral vermelha e preta preferiu voltar para seu ninho noturno.
A insegurança, que ainda é relativa ou infinitamente menor em outras cidades, transformou o Rio, sobretudo à noite, numa cidade fantasmagórica. Só se sai à noite por um motivo considerado maior e intransferível. Pensa-se duas, três vezes antes de tirar o carro da garagem. E cada vez mais gente pensa duas ou três vezes, e o resultado são as ruas desoladas, o asfalto vazio brilhando à luz dos postes de iluminação que parecem aumentar o nada.
Com variantes talvez mais atenuadas, em outras cidades acontece o mesmo. Não faz muito, numa cidade bem menor do que o Rio, fiz uma palestra à noite. Estava hospedado no quarteirão vizinho e, findo o compromisso, quis voltar a pé para o hotel. A instituição que me convidara colocou dois seguranças para me acompanhar. Mesmo nas cidades pequenas, as noites ficaram mais vazias.



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