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CLÓVIS ROSSI
O presídio e o conversível
PARIS - É impossível evitar a sensação de viver em um país em que o
estágio civilizatório é inferior e,
pior, regride em certos aspectos
com o passar do tempo.
Terminar a leitura sobre o presídio de Araraquara e sobre os atentados contra agentes penitenciários é
sair de um mergulho no inferno
sem fim.
Ainda por cima, passa ao largo
um Mercedes-Benz conversível,
para acrescentar humilhação. Fico
pensando quanto tempo duraria o
casal que ocupa o carro se ousasse
cometer esse crime imperdoável
nas ruas de São Paulo ou do Rio.
Do que seria privado: do carro,
dos relógios, dos celulares, das carteiras, das cabeças?
Pior: aqui, ninguém olha. Deve
ser normal andar de carro conversível. Que gente estranha.
Não, não quero dizer que a França seja modelo de convivência. Nenhum país o é, aliás. Aqui também,
e recentemente, durante as comemorações da vitória sobre o Brasil e
depois sobre Portugal, houve ataques a agentes policiais por parte de
jovens. Sem maiores conseqüências, mas houve.
A grande diferença é o que acontece depois (ou durante): só na madrugada de quinta-feira, depois do
jogo com Portugal, 189 pessoas foram detidas, por diferentes distúrbios, que vão das agressões à embriaguez. E em São Paulo?
Esse é o ponto central: por aqui,
está combinado que quem quer cometer um delito é obrigado a ter
medo da polícia.
No Brasil, inverteu-se a regra do
jogo: a polícia é que tem medo.
Aqui também, onde a polícia tem
medo de ir (em certas áreas das
"banlieues", os subúrbios das grandes cidades), instala-se a barbárie.
É inevitável. A diferença é que o sistema ainda não gangrenou. No Brasil, apodreceu não apenas a relação
polícia/criminoso mas o sistema
prisional. É o horror.
crossi@uol.com.br
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