São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Glauber e Caxias

RIO DE JANEIRO - Durante dias ficamos presos e incomunicáveis com o resto do mundo. Uma semana depois, a prisão foi relaxada, começamos a receber notícias da família, roupas e advogados. Ao mesmo tempo, começaram os interrogatórios. Um oficial chamou-nos, um a um, fez perguntas e deu sugestões.
Não lembro quem foi o primeiro a ser interrogado, mas o segundo foi Glauber Rocha. O coronel fez-lhe poucas perguntas, uma delas espantou o cineasta: "Por que o senhor, que faz filmes sobre misérias, cangaceiros que se matam uns aos outros, não faz um filme sobre o duque de Caxias?".
Penso sempre nele e no duque de Caxias quando recebo e-mails reclamando dos meus assuntos e sugerindo-me uma pauta sadia, politicamente correta. Os temas são realmente palpitantes: a camada de ozônio ameaçada pelos detritos industriais, as contas que o Maluf teria no exterior, o passado de alcoolismo do presidente Bush, o controle da inflação que devemos ao FMI e aos governos de FHC e Lula, a corrupção generalizada da sociedade, os males do fumo e os benefícios de não se comer carnes vermelhas, essas coisas.
Não tenho nada contra temas saudáveis, como os sugeridos, mas prefiro continuar na minha, dá menos trabalho e, eventualmente, posso dar sorte e encontrar assuntos mais atraentes do que as ameaças à camada de ozônio.
Mesmo assim, sou grato aos leitores que, apesar de indignados, até agora não me sugeriram que falasse sobre a extinção das baleias e dos micos dourados. Também nada tenho contra as baleias e contra os micos, dourados ou não, Deus é testemunha disso.
Volta e meia perguntam-me como arranjo assunto para escrever diariamente, pois, no sétimo dia, seguindo o exemplo do acima citado Deus, descanso da página 2, escrevendo na Ilustrada.
Assunto nunca me faltará. Na pior das hipóteses, sempre poderei lembrar a sugestão do coronel ao Glauber Rocha e escreverei sobre o duque de Caxias.


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