São Paulo, quarta-feira, 08 de agosto de 2007

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RUY CASTRO

O país a pé

RIO DE JANEIRO - Quando comecei a ir a São Paulo a trabalho, em 1978, ainda existia o Santa Cruz, o belo trem que nos ligava. Nos dois ou três anos seguintes, fui e voltei várias vezes por ele, sempre com prazer. Quando se viajava acompanhado, havia, não me lembro por quê, uma disputa pelas cabines com leito transversal ao trilho.
Era uma viagem civilizada e até divertida. Flanava-se do vagão-restaurante ao vagão-bar e vice-versa, como nos filmes, e havia vagões comuns, onde as pessoas se conheciam e se misturavam. Depois, dormia-se. As suítes eram confortáveis, e as cabines tinham banheiro. Embarcávamos de noite na Central do Brasil e, nove horas depois, sem parar, cedinho de manhã, estávamos na estação da Luz.
Hoje, com os laptops, celulares e outros dispositivos, um executivo poderia fazer essa viagem e continuar despachando como se estivesse no escritório, adicionando mais um turno ao seu expediente. Mas isso será problema dele. Se um dia eu voltar a fazê-la, continuarei apenas zanzando entre os vagões, como acho que se deve fazer em trens.
Digo "se" porque o trem Rio-São Paulo já foi desativado há muito. E, fora a ponte aérea, não restam tantas opções. Há os ônibus e os carros particulares, que, segundo dizem, rolam por uma estrada caprichada e segura. Mas estamos falando do percurso entre as duas maiores cidades do país, uma ao lado da outra.
Fico me perguntando como se faz para cobrir outros percursos importantes. Aviões, já não há. A malha ferroviária do país foi desmantelada. Das estradas brasileiras, só 11% são asfaltadas, e quem viaja sabe do estado da maioria delas. Transporte fluvial de passageiros, quem ainda ouve falar em itas que vêm do Norte?
Ou seja, o brasileiro está condenado a ficar em casa, e o país, a andar a pé.


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