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RUY CASTRO
O país a pé
RIO DE JANEIRO - Quando comecei a ir a São Paulo a trabalho,
em 1978, ainda existia o Santa Cruz,
o belo trem que nos ligava. Nos dois
ou três anos seguintes, fui e voltei
várias vezes por ele, sempre com
prazer. Quando se viajava acompanhado, havia, não me lembro por
quê, uma disputa pelas cabines com
leito transversal ao trilho.
Era uma viagem civilizada e até
divertida. Flanava-se do vagão-restaurante ao vagão-bar e vice-versa,
como nos filmes, e havia vagões comuns, onde as pessoas se conheciam e se misturavam. Depois, dormia-se. As suítes eram confortáveis, e as cabines tinham banheiro.
Embarcávamos de noite na Central
do Brasil e, nove horas depois, sem
parar, cedinho de manhã, estávamos na estação da Luz.
Hoje, com os laptops, celulares e
outros dispositivos, um executivo
poderia fazer essa viagem e continuar despachando como se estivesse no escritório, adicionando mais
um turno ao seu expediente. Mas
isso será problema dele. Se um dia
eu voltar a fazê-la, continuarei apenas zanzando entre os vagões, como acho que se deve fazer em trens.
Digo "se" porque o trem Rio-São
Paulo já foi desativado há muito. E,
fora a ponte aérea, não restam tantas opções. Há os ônibus e os carros
particulares, que, segundo dizem,
rolam por uma estrada caprichada
e segura. Mas estamos falando do
percurso entre as duas maiores cidades do país, uma ao lado da outra.
Fico me perguntando como se faz
para cobrir outros percursos importantes. Aviões, já não há. A malha ferroviária do país foi desmantelada. Das estradas brasileiras, só
11% são asfaltadas, e quem viaja sabe do estado da maioria delas.
Transporte fluvial de passageiros,
quem ainda ouve falar em itas que
vêm do Norte?
Ou seja, o brasileiro está condenado a ficar em casa, e o país, a andar a pé.
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