São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Puro marketing

FERNANDO BARROS

Há centenas de definições para o que é marketing. O termo e a ciência, nas suas mais recentes versões, foram-nos mandados pelos primos ricos do hemisfério Norte. Significa, em redução simplista, configurar produtos e idéias para serem aceitos e adquiridos por públicos e mercados.
Sempre atual e cada vez mais necessário, a sociedade moderna usa e abusa do marketing para suas atividades. Seja para apoiar a milionária guerra por fatias de mercado para produtos, de sabonetes a aviões, ou na sua mais febril aplicação, como ferramenta indispensável às disputas políticas.
Vale registrar que não é tão recente usar marketing para fins políticos. Há quem sustente, foram as civilizações greco-romanas precursoras do uso sistêmico da comunicação institucional estrategicamente aplicada. A história descreve com precisão o marketing governamental eficiente dos césares, que conquistou quase todo o planeta no seu tempo. Tudo bem, a ponta da espada ajudava muito, mas não faltavam os discursos apaixonados, os coloridos desfiles das célebres legiões dos Exércitos romanos, embaladas ao som de estridentes naipes de trombetas. Galhardetes e uma programação visual impecável enfeitavam os eventos. E os trepidantes combates de gladiadores nas arenas não seriam uma espécie de showmício da época? Porque pronunciamentos inflamados não faltavam.
A marca da cruz e o lançamento do Evangelho não fariam parte do esforço de marketing de uma das mais revolucionárias e longevas religiões de todos os tempos?


Não há milagre de marqueteiro capaz de evitar o fracasso de um candidato de qualidades pouco competitivas


Chegando mais perto, Churchill, Hitler (com seu marqueteiro Goebbels) e Kennedy tinham planos eficientemente elaborados. Aqui embaixo, Vargas, Perón e JK foram indiscutíveis "cases" de sucesso.
No Brasil, a cada eleição, esse ofício mais se notabiliza. Estamos, indiscutivelmente, entre os melhores do mundo nessa atividade. Há um aspecto, contudo, no marketing político brazuca extremamente controverso, pra dizer o mínimo: a superexposição dos profissionais. Ao autopromover-se em excesso, acabam às vezes sendo mais célebres do que seus clientes. Essa é uma deformação, pois, afinal, quem ganha a eleição é o candidato, somente ele.
Pode parecer antimarketing (nosso) a afirmação, mas é a pura verdade. Não há milagre de marqueteiro capaz de evitar o fracasso de um candidato de qualidades pouco competitivas. Essa história de candidato ser produto é uma falácia. Candidato não é como xampu nem desodorante, que você muda o cheiro, a cor e a embalagem. Um candidato tem história, passado, ideologia. Aliás, quando se tenta fazê-lo parecido com o que não é, ele logo é classificado de "Denorex", por acaso um xampu anticaspa cuja frase e conceito de campanha eram "parece, mas não é".
Alimentar essa história de sermos "bruxos", "magos" não passa -desculpem a sinceridade- de esperteza de quem quer se vender (mais) caro. Tudo bem, o glamour é traço da nossa profissão, mas não vamos exagerar.
Nossa atribuição, tal como no futebol, é treinar o time e colocá-lo pra jogar e ganhar. Técnico não entra em campo pra bater faltas ou pênaltis. Fico perplexo quando vejo alguns colegas revelarem na mídia segredos e intimidades de campanhas das quais participaram ou estão participando, jactando-se sempre dos êxitos. Essas atitudes têm contribuído para estigmatizar nosso trabalho.
Proponho estabelecermos um código de ética para nossa profissão semelhante ao dos médicos. Eles não saem por aí revelando a doença e o tratamento recomendado a seus clientes, salvo em situações especiais, autorizados pela família. Chega de nos autoproclamarmos milagreiros, únicos responsáveis pelas vitórias, reservando a nossos clientes/candidatos apenas a culpa pela derrota, quando elas acontecem. Não sou hipócrita; uma estratégia malfeita pode derrubar um bom pretendente a votos, com certeza. Mas, se o cara é fraco, ou o povo não o quer naquele momento, não há campanha bonita que o salve.
Por isso prego a discrição como regra. O jeito ruidoso de ser do marqueteiro brasileiro está contribuindo para estabelecer que falsificamos pessoas e situações.
Infelizmente, hoje, quando se diz que alguém é "puro marketing", significa acusar esse alguém de embusteiro. Precisamos cuidar melhor da nossa própria imagem. Enquanto é tempo.

Fernando Barros, 51, publicitário, é presidente da agência Propeg.


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