São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2001

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O Estatuto da Cidade

NABIL BONDUKI


Após tanta inoperância, o presidente pode mostrar alguma sensibilidade em relação à questão urbana ao sancionar o Estatuto


O Estatuto da Cidade, aprovado pelo Congresso Nacional depois de 11 anos de tramitação, representa um passo fundamental para dar aos municípios brasileiros instrumentos capazes de regular o uso do solo urbano na perspectiva de combater a retenção de imóveis ociosos e de criar condições para planejar seu crescimento.
Nos anos 80, quando se vivia o clima de redemocratização do país, um amplo leque de entidades e de movimentos sociais se mobilizou para elaborar uma agenda de reformas urbanas para as cidades brasileiras. Queria garantir o direito à habitação e meios eficazes para planejar cidades mais justas e eficientes. Em 1987, esse movimento gerou uma emenda de iniciativa popular -assinada por cerca de 300 mil eleitores- para a Constituição. A mais importante proposta da "Emenda da Reforma Urbana", como ficou conhecida, previa a criação de instrumentos para garantir a função social da propriedade urbana.
Na Assembléia Constituinte, as avançadas propostas da emenda sofreram uma dura oposição por parte dos conservadores. A redação final da nova Constituição transferiu o conflito e o debate sobre esse tema para os municípios, ao determinar que caberia ao Plano Diretor -naquele momento, um instrumento desacreditado- estabelecer como uma propriedade urbana cumpre ou não a sua função social, sujeitando-a a um cardápio de penalidades, como a edificação compulsória e a desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, para punir os que especulam com a cidade.
Foi uma conquista parcial, que logo se mostrou uma vitória de Pirro. Quando cada município começou a elaborar o seu Plano Diretor, a aplicação dos instrumentos de reforma urbana esbarrou numa interpretação de que estes precisavam ser regulamentados por uma lei ordinária, a ser aprovada no Congresso. Essa lei, o Estatuto da Cidade, fundamental para regular o desenvolvimento urbano com justiça social, levou mais de uma década para ser aprovada, período em que os problemas urbanos se agravaram de forma dramática no Brasil -houve um aprofundamento da dívida social, o que ocorreu sem que o governo federal tivesse tomado iniciativas significativas para ordenar as cidades.
Depois de tanta inoperância e retardamento, o presidente da República terá a oportunidade de demonstrar alguma sensibilidade em relação à questão urbana, tão pouco importante em seu governo, ao sancionar -sem vetos- o Estatuto da Cidade e, ato contínuo, instalar o Conselho Nacional de Política Urbana, previsto na lei. Esse conselho assegurará a participação popular na gestão da ação do governo federal na política urbana.
Não podemos, no entanto, nos iludir com o Estatuto das Cidades. Esse dispositivo era uma condição necessária para que os municípios tivessem mecanismos para implementar uma política fundiária, mas será absolutamente insuficiente se não houver, nos governos locais, disposição e vontade política para intervir. O Plano Diretor ganhará enorme importância e passará a ser peça-chave da reforma urbana e do futuro das cidades. Nele deverão estar consignadas as condições para que os imóveis cumpram a sua função social.
Muitos instrumentos urbanísticos agora regulamentados -como os direitos de preempção, de edificação e de parcelamento compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e o usucapião especial- poderão ser utilizados no Plano Diretor e em outras intervenções urbanas. A formulação desse Plano Diretor em cada município, embora envolva necessariamente aspectos técnicos, deverá ser resultado de um amplo debate com a comunidade local, para, então, fazer desse processo uma oportunidade única de mobilização social e de negociação política.
O Estatuto da Cidade poderá, desse modo, se transformar no marco de um novo período das cidades brasileiras, rompendo a atual dinâmica de produção de exclusão social e caos urbano.


Nabil Bonduki, é arquiteto e urbanista, professor de arquitetura da USP e vereador da cidade de São Paulo (PT).



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