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CLÓVIS ROSSI
Dores, nossas e deles
PARIS - O velho sábio que habita a
Folha costuma usar uma expressão
cujo espírito é o seguinte (embora a
letra possa ser levemente diferente): "Quem vê meus risos não vê minhas lágrimas".
A França, para a geração colonizada culturalmente pela Europa,
não pelos Estados Unidos, como é o
caso da minha, parecia só ter risos.
Segunda potência econômica da
Europa, atrás da Alemanha, um sistema de bem-estar social formidável (em crise, mas formidável mesmo assim, particularmente visto da
América Latina) e um peso cultural
ainda importante.
Agora, as lágrimas. O presidente
Jacques Chirac (conservador para
os padrões franceses, de extrema-esquerda se transplantado para o
Brasil) cunhou uma expressão
("declinologues" ou "pregadores do
declínio") que é, em francês, a mesma a rigor usada no Brasil por Fernando Henrique Cardoso ("fracassomaníacos") e continuada por
Lula ("há os que torcem para tudo
dar errado").
De alguma forma, o ponto de partida desses neologismos ou frases
de efeito é parecido, guardadas as
devidas proporções entre um país
com a vida ganha, como a França, e
outro, como o Brasil, com tudo praticamente por fazer.
A França viveu seus anos dourados no pós-guerra. De 1945 a 75, a
renda real per capita simplesmente
quadruplicou. No cotidiano, as oito
horas necessárias para comprar um
quilo de frango, em 1946, viraram
meros 45 minutos, 30 anos depois.
A seguir, estancou.
Um pouco como o Brasil, que teve
a era do mal chamado "milagre econômico" durante uma fase da ditadura, para depois patinar.
Um último paralelo: na hora em
que os Chiracs, FHCs e Lulas deixarem de usar óculos panglossianos
quando estão no poder, talvez seja o
primeiro passo para começar a ajeitar as coisas, cá como lá.
crossi@uol.com.br
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