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CARLOS HEITOR CONY
"O que posso fazer?"
RIO DE JANEIRO - Foi há algum tempo, viajava pela antiga TAP, com o
fotógrafo Antônio Rudge, para cobrir
a Revolução dos Cravos, em Portugal. Como sempre inquieto, no meio
do percurso ele quis fotografar o piloto. Mandou um recado pelo chefe dos
comissários de bordo e foi convidado
a visitar a cabina de comando. Quis
que eu fosse junto.
Eu já estava dormindo, ele me cutucou e me incentivou: "Vamos ao
trabalho!". Estremunhado, lá fui eu
para a cabina, pensando que já viajara o suficiente, deveríamos estar
chegando a Lisboa. Na cabina, vendo
a noite cerrada à frente, sem saber
onde era o céu e onde era a terra, ousei perguntar onde estávamos.
Com o sotaque português bem
acentuado, o piloto informou: "Daqui a pouco vamos sobrevoar Fortaleza, no Ceará". Fiquei espantado:
"Ainda? Ainda estamos no Brasil?".
O piloto se desculpou: "O vosso país é
imenso. O que posso fazer?".
É evidente que ele nada podia fazer, a não ser continuar mantendo o
avião no ar, do contrário eu não estaria aqui ocupando este espaço que
poderia ser aproveitado por outros
escribas para reflexões mais importantes sobre o momento nacional.
Mas, pensando bem, valeu a lembrança. O nosso país, quer dizer, o
país do Rudge e meu, que éramos os
únicos brasileiros na cabina, é realmente imenso. Maior do que o abismo que os políticos do governo e da
oposição garantem que nos tragará,
os primeiros tentando reformas para
diminuir o abismo e aumentar o
país, os segundos aumentando o
abismo e diminuindo o país para que
o governo caiba no poço e nele fique
para sempre.
Numa hora dessas, diante de tantas
emoções que provocam espasmos de
prazer e dor em políticos e colunistas
comprometidos com as coisas e as
causas em jogo, eu dou razão ao piloto português que cumpria humilde e
rotineiramente o seu dever. Não tenho culpa de o país ser imenso. O que
posso fazer? Nada. Já é alguma coisa.
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