São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2006

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PLÍNIO FRAGA

Educação pela pedra

RIO DE JANEIRO - A vida é feita de asperezas, sendo inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze, escreveu Graciliano Ramos do cárcere. "Quem dormiu no chão deve lembra-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita." Faz mais de 50 anos que "Memórias do Cárcere" foi publicado. A nobreza do autor consegue tirar lições daquilo que originalmente é dor.
Mas os tempos são outros. O sistema penitenciário brasileiro entrou em colapso. É desumano. Fornecedor e aprimorador da mão-de-obra do PCC. Não por culpa só dos presos. Os marginais organizam-se, auxiliam-se, fortalecem-se, comungam princípios ou a falta deles. Porque é da essência do homem assim proceder.
A socióloga Julita Lemgruber, que já comandou o sistema penitenciário do Rio, recorreu em entrevista a uma frase do ex-ministro da Justiça britânico Douglas Hurd para explicar a situação: "Prisão é uma maneira cara de tornar as pessoas piores". A privação da liberdade deve ser reservada aos criminosos violentos e perigosos, que se constituem em ameaça concreta.
Lemgruber lembra que, dos 365 mil presos no país, apenas 10% trabalham. A Lei de Execuções Penais diz que o preso condenado é obrigado ao trabalho e pode descontar um dia de sua pena para cada três dias trabalhados. Apesar de 70% dos presos no país não terem completado o primeiro grau, apenas 17% estudam dentro das prisões.
Há campo mais fértil para um sindicato assistencialista do crime? A "educação pela pedra" é uma bela imagem da lírica de João Cabral de Melo Neto. Mas o sistema penitenciário brasileiro está a formar um exército de marginais, que ameaça não deixar pedra sobre pedra. E ainda paga caro por eles.


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