![]() São Paulo, quarta-feira, 09 de agosto de 2006 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Constituinte golpista
RUBENS APPROBATO MACHADO
É uma hipótese demagógica, politicamente incorreta e juridicamente inconstitucional. Nos meus 50 anos de advocacia, aprendi que só se instala uma Assembléia Constituinte para a elaboração de nova Constituição quando ocorre ruptura do ordenamento jurídico existente, situação que deriva de mudança do regime, o qual, por sua vez, se efetiva por meio de força ou de um golpe de Estado. Não se pode alterar uma Constituição de maneira abusiva e ao sabor das circunstâncias, como está se pretendendo. Uma PEC nesse sentido chega a alterar até o modo de mudar a Constituição, pois hoje se exigem dois terços dos votos na Câmara e no Senado, mas uma Assembléia Constituinte poderá aprovar modificações no texto constitucional por maioria simples. Uma Constituinte só poderá ser convocada pelo povo, por meio de seus representantes, e só tem justificativa caso estejam abalados os fundamentos da República. E a reforma política, como a que a nação está aclamar, pode ser realizada no próprio foro do Congresso Nacional. A idéia de realizar uma Assembléia Constituinte a partir de uma ação do Executivo denota o pouco apreço que se atribui ao sistema normativo e, ainda, ao Parlamento nacional, bastando verificar como o governo edita sucessivas medidas provisórias. A par da ilegalidade, reina ampla ignorância sobre os processos que deram origem às Constituições brasileiras. Em 1822, o país rompeu o período colonial, se tornando nação independente. Por essa transformação, elaborou-se, em 1824, uma Constituição imperial, que perdurou até ser proclamada a República. Em 15 de novembro de 1889, ocorreu a ruptura do regime imperial e conseqüente ingresso do país no sistema republicano, surgindo, então, a Constituição de 1891. Em 1934, após o golpe de 1930 e a revolução constitucionalista de 1932, chegamos a uma nova Constituição, que vigorou até o Estado Novo, na ditadura varguista, quando foi elaborada a Carta de 1937, conhecida como "polaca". Finda a Segunda Guerra Mundial, em 1945, com a vitória dos aliados sobre o nazi-fascismo, o Brasil, ao lado dos vitoriosos, enterrou o regime ditatorial de Vargas instaurando a democracia, o que ensejou a Constituição liberal de 1946. Com ela, chegamos a 1964, quando se instalou o regime autoritário dos militares, ensejando a Constituição de 1967 e a emenda constitucional de 1969. Com o retorno do país ao sistema democrático, passamos a conviver com a chamada Constituição Cidadã, de 1988. O Poder Constituinte de 88 previu, expressamente, a possibilidade de ampla revisão constitucional, após cinco anos de sua vigência -coisa que ocorreu em 1993. A OAB, na ocasião, se opôs tenazmente à revisão por entender que daria margem a uma nova Constituição, rompendo o sistema democrático vigente, apesar de prevista pelo constituinte originário. Decorridos quase 18 anos de vigência da atual Constituição, uma revisão com a possibilidade de reformar cláusulas pétreas é um golpe. Não há mudança do sistema político ou do regime que a justifique e nem ato de força. Ademais, estamos em ano eleitoral. Proposta como essa beneficiaria uma das facções que disputam as eleições. Os candidatos derrotados em outubro poderão se candidatar a uma Constituinte? Consagrado jurista defende a idéia de que a Assembléia Constituinte poderia elaborar a nova Constituição por meio de uma proposta de emenda constitucional, usando um artifício visando a anular as vedações contidas nas cláusulas pétreas (art. 60 da Constituição). Seria feita emenda à emenda constitucional, elaborando-se nova Constituição, sob o nome de emenda, com posterior consulta plebiscitária, violando, inclusive, as chamadas cláusulas pétreas. Trata-se de engenhoso artifício para dar "coloração de legitimidade" a ato de força. A idéia de uma Constituinte para a reforma política abre especulações em torno da mudança de identidade do presidente Lula, possivelmente inspirado no ideário bolivariano e revolucionário que move a crença dos presidentes da Venezuela e da Bolívia, Hugo Chávez e Evo Morales. RUBENS APPROBATO MACHADO , 72, advogado, foi presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e da OAB-SP. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Agenor Álvares: Construindo o SUS Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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