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CARLOS HEITOR CONY
Vovô viu a ave
RIO DE JANEIRO - No mês passado, participei do júri do Prêmio Cruz e
Sousa, patrocinado pela Fundação
de Cultura de Santa Catarina, neste
ano dedicado ao conto. Em três meses de inscrições, apareceram mais de
1.400 inéditos, vindos de todos os Estados, todos sob pseudônimo, com a
identificação de cada autor em envelope lacrado.
A comissão teve bastante trabalho,
mas, sem mortos e feridos, Moacyr
Scliar, Luiz Vilela, Flora Sussekind,
Ítalo Moriconi e eu, com a ajuda logística de Flávio Cardoso, chegamos
a um resultado consensual, dada a
qualidade dos melhores contos.
É evidente que havia trabalhos medíocres e até equivocados. Não foi por
aí que fiquei impressionado com a vitalidade do gênero, que muitos consideram terminal ou defunto.
Em tão pouco tempo para as inscrições, que exigiam originais bem
apresentados e cumprimento de outros quesitos rotineiros em concursos
afins, a expressão literária, que tem
hoje a concorrência da expressão audiovisual, está longe de sua falência.
Volta e meia, proclama-se o fim da
literatura. Duas gerações, pelo menos, habituaram-se a ver e a ouvir,
sem necessidade de ler. O vocabulário dos jovens, em 30 anos, resumiu-se a 40 ou 50 palavras básicas: oi, legal, tou aí, corta essa etc.
Nesse particular, a internet reabilitou a palavra e a frase. Muita gente
escreve "oço" em vez de "osso", mas
tem necessidade de se expressar pela
linguagem escrita. "Vovô viu a ave"
não tinha mais sentido. Voltou a ter
por conta da multidão de crianças e
de jovens que, em todo o mundo, procuram comunicar-se pela letra impressa na telinha. Instala-se um Aurélio no computador como se fosse
um ""game" a mais.
De repente, a criança ou o jovem
tem necessidade de desabafar, de fazer uma queixa ou um elogio, de dizer alguma coisa que só a palavra poderá exprimir. Erra na ortografia, na
gramática, mas diz o que sente ou
pensa que sente. E tudo começa outra
vez, a ave sendo vista pelo vovô.
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