São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES À esquerda, rótulo e bula
CANDIDO MENDES
A guerra das frases e dos epítetos vem a tempo certo quando se estoura o ferrolho da inação, e em menos de mês libertamo-nos do pietismo utópico, ou dos perfeccionismos esterilizantes da busca do melhor momento para a briga política por um governo que estréia, saindo do ninho quente da lua de mel. Lula agora puxou uma tarrafa de um excesso de votos, na quebra do empate entre o sim e o não, em que mesmo o PFL e o PSDB assumem a custo o assento, agora, do ser contra. Escapou-lhes o terceiro parceiro, no que o PMDB não brinca em serviço, quando sabe o que pode fazer, lá ou cá do palácio. Mais ainda, tem a condição de vencer a sua guerra endogâmica e particular com o pefelê, partidaço das clientelas de todo o sempre, no núcleo do Brasil arcaico, mas sempre a sobreviver, mais de capa que de espada, na ribalta eleitoral. Foi quando a vitória na Previdência mostrou que o Brasil não se identifica mais com a nação do serviço público, suas prebendas, pagas de penacho e privilégios ou, sem esses, na pobreza, mas também da garantia da remuneração fora do desemprego, a que está exposto o gigantesco país da oferta incerta do trabalho. Esse Brasil em processo é também, pela reforma tributária, o que soube desonerar os tributos da nossa produção, garantir-lhe contra o roldão dos importados e carregar a imposição, cada vez mais sobre rendas e lucros. Não temos precedente de governo que estoure mais de metade do apoio popular na avaliação de "bom" ou "ótimo" dos seus resultados. Saiu-se da mornidão do regular, cujo trem-trem é o melhor dos consolos de quem se acostumou ao bem-bom dos coxins do Executivo na sua rotina. Nem há como justificar o ranço udenóide de velha e descabida marcação de um moralismo na coisa pública, em ver-se o governo recorrer ao que chama, de aparato eleitoral, saído do êxito de negociação das maiorias, hoje capazes de mudar o centro de gravidade da nação que aí está. A clientela serve de âncora, mais que transporta votos e estabiliza um status quo. Mas pode se somar a uma política de mudança e, aí, até exceder-se, no misto entre o servilismo e a esperteza política que os partidaços logram converter-se ao outro Brasil, por atrição. Até metade do PFL não resiste à razão cínica, neste rumo, por mais que faça juras ao emperrado e inédito mister de oposição. Ineditamente soube o sistema, sem receio, espichar concessões. Lula tem direito a dizer que só ele lograria o verdadeiro salto: o do país de fora que passa a acreditar na mudança, vencendo paleodescrentes e neocínicos. O empate de sempre não acontece, nem volta o jogo ao velho meio-de-campo. O país não se engana mais sobre de quem Lula está ganhando. A comemoração da esquerda vem depois, só ao fim da partida. Candido Mendes, 75, membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, é presidente do "Senior Board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Joaquim Falcão: A pressa e as eleições Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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