São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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OUVIDORIA DA TORTURA

Há duas semanas, a Anistia Internacional fez circular pelo mundo relatório no qual se afirmava que ninguém merecia "ser tratado como um presidiário brasileiro, como um animal". A Folha observou então que o documento não apresentava impropriedades, embora duro, e que há certo esforço em minorar o desrespeito aos direitos humanos no país, ainda que em parte baldados por 20 anos de crise econômica e social.
A Anistia diz que os detentos não têm voz. De fato. O país toma conhecimento desses horrores em situações extremas, quando há um cadáver com 15 tiros para dar visibilidade ao caso ou devido a uma gravação furtiva, que registrou o que seriam gritos de espancados.
As fitas vieram de uma delegacia do Paraná. Delas não há perícia nem provas, ainda. Mas o delegado responsável, diante da denúncia de que a tortura seria comum sob sua jurisdição, disse que não precisaria aplicá-la a todos os que chegam em seu distrito, pois alguns já vêm com mandado de prisão decretado pela Justiça. Haveria, então, critério para torturar? Em Maceió, no Estado de Alagoas, um eletricista foi assassinado após afirmar que fora torturado para confessar a autoria do assassinato de um policial. Mais tarde, outra pessoa confessou o crime, mas a denúncia de maus-tratos valeu a pena de morte ao eletricista.
Segundo a Anistia, pouco se chega a saber de atrocidades de que são vítimas presidiários e detidos em geral. Ninguém os ouve. Não haveria, pois, punições que coibissem a repetição da violência. Dado esse descaso, depois das ouvidorias da polícia, parece que o país está a precisar das ouvidorias da tortura, de enviados especiais às cadeias, para não ter de esperar que corpos e fitas casuais iluminem o que se passa nos calabouços.


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