|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
Escreveu e não leu, o pau comeu
BRASÍLIA - O corporativismo não é bom para ninguém -nem para o
país. Resumido, é assim: entre privilégios de categorias e legítimos interesses da sociedade, dane-se a sociedade.
Nós, jornalistas, somos vítimas e
réus do corporativismo. Vítimas
quando levamos bordoadas por criticar poderosos e privilégios arraigados
e sem sentido de uma ou outra categoria. E réus porque corremos soltos,
às vezes acima do bem e do mal.
Podemos ser injustos, derrubar ministros, governadores, parlamentares, policiais, médicos. Já fomos até
decisivos para derrubar um presidente da República. Mas não aceitamos
nem ser criticados. Foi por isso que
admiti, já no primeiro momento do
projeto, que há muito o que discutir,
sim, dentro e fora da imprensa, sobre
um conselho de jornalismo.
Dito isso, o que estranha é o projeto
do Conselho Federal de Jornalismo
ser encaminhado pelo presidente. E
com o objetivo abrangente, no mínimo, de "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão, prevendo penas até de suspensão e de cassação do registro profissional. Afinal,
por que Lula? Por que agora, com o
governo debaixo de pau? E o que o
Estado tem a ver com isso?
Jornalista não é como médico, dentista, policial, enfermeiro ou engenheiro -especialmente neste último
caso, se errar, a casa literalmente cai.
Trabalha (trabalhamos) com uma
matéria-prima que não é cimento,
pedra, revólver ou bisturi. Trabalha
(trabalhamos) com fatos e, como fatos são sujeitos a diferentes versões e
interpretações, precisamos de independência (de governos, sobretudo) e
de capacidade crítica (inclusive contra poderosos de plantão).
Na China e em Cuba, entre tantos
outros, o Estado pode tudo, até decretar a morte de dissidentes, sem direito a defesa. Mas isto aqui é Brasil.
Não dá para bater na tecla do "denuncismo" -que até existe- para
justificar tentativas de domesticar o
Ministério Público, a produção cultural e o jornalismo. A sociedade brasileira já aprendeu a lição: ruim com
eles, muitíssimo pior sem eles.
Texto Anterior: São Paulo - Clóvis Rossi: O exílio está de volta Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A unidade ortográfica Índice
|