São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ao debate, caros colegas

RICARDO KOTSCHO

Em abril deste ano, pela primeira vez na nossa história, a direção nacional da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e os presidentes dos sindicatos estaduais foram recebidos, no Palácio do Planalto, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Os representantes da categoria reivindicaram ao presidente, durante a audiência, o envio ao Congresso de um projeto de lei que estava parado havia mais de uma década no Ministério do Trabalho, criando o Conselho Federal e os conselhos regionais de Jornalismo.
Apenas quatro meses após o encontro, ouvidos os representantes sindicais democraticamente eleitos em todo o país, na última quarta-feira o presidente Lula assinou o projeto de lei, que foi publicado pelo "Diário Oficial" no dia seguinte. Por coincidência, nesse mesmo dia, foi aberto o 31º Congresso Nacional dos Jornalistas, em João Pessoa, na Paraíba. A decisão do presidente foi aclamada pelos 500 jornalistas presentes. Eu estava lá, representando o presidente Lula, e fiquei emocionado com a reação dos meus colegas, que viram atendida uma aspiração longamente acalentada pela categoria.
Nenhum grande jornal brasileiro noticiou o fato no dia seguinte, já que a imprensa não costuma cobrir a imprensa, ainda mais quando o acontecido se dá em João Pessoa, longe do eixo Brasília-Rio-São Paulo. Só dois dias depois alguns jornais tocaram no assunto, para atacar o projeto, como se fosse uma iniciativa do governo para cercear a atividade dos jornalistas.
Pois é exatamente o contrário: o objetivo central da criação do CFJ -a exemplo do que há muito ocorre com advogados, médicos, economistas e outras categorias- é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão, para garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses.


O objetivo central da criação do CFJ é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão


O governo não terá nenhuma ingerência nesse assunto: trata-se de uma iniciativa dos próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do conselho e zelarão pelo cumprimento das normas de conduta estabelecidas no projeto, que agora vai à discussão no Congresso Nacional. O debate está só começando, mas alguns colegas em cargos de chefia ou donos de colunas já saíram atacando o projeto sem se dar ao trabalho de analisá-lo com cuidado, sem ouvir ninguém para saber as razões que levaram o governo a encaminhar o projeto ao Congresso Nacional.
"Uma espécie de poder para punir jornalistas que extrapolem as suas funções e, por exemplo, façam denúncias irresponsáveis, sem provas", escreveu Eliane Cantanhêde, por exemplo, para definir as atribuições do conselho. E é correto fazer "denúncias irresponsáveis, sem provas", como tanto tem ocorrido, sem que os próprios jornalistas se preocupem com o aviltamento da sua profissão, em criar instrumentos para que a informação seja um bem comum, e não uma arma poderosa nas mãos de profissionais sem ética e sem nenhum compromisso com a sociedade? -pergunto.
A desinformação sobre os reais objetivos do conselho levou o leitor Keko Ribeiro ("Jornalismo orientado", "Painel do Leitor", pág. A2, 7/8) a pedir minha opinião sobre o assunto e a escrever: "Kotscho, que sempre se pautou pela ética e pela postura digna de defender a liberdade de imprensa no Brasil, deve, salvo engano, estar muito incomodado com essa questão". Pois é, Keko, resolvi escrever este artigo justamente por isso: para dizer que não só defendo há muitos anos a criação do Conselho Federal de Jornalismo, como tenho certeza de que ele será um instrumento valioso para a defesa da ética e da liberdade de imprensa no exercício da nossa profissão.
Como aconteceu com o caro leitor, vários colegas que respeito fizeram, a meu ver, juízos precipitados ao projeto por desconhecimento dos fatos.
Convido-os, como a todos os colegas jornalistas, a participarem do debate que agora se inicia no Congresso Nacional, em defesa não só da nossa profissão, mas do direito que toda a sociedade tem à informação. Se nós sempre estimulamos debates sobre todos os assuntos, por que não aproveitamos agora essa oportunidade para discutir a própria imprensa e, quem sabe, chegarmos a um consenso sobre as regras do jogo que devem existir e ser respeitadas em qualquer campo da atividade humana?
Só o fato de abrir o debate já justifica o projeto. O resultado final vai depender não só dos congressistas, mas do empenho de cada um de nós.

Ricardo Kotscho, 56, jornalista, é secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República. Foi vice-presidente da Fenaj, diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa.


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