São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Petróleo: novo risco mundial?

WALTER MUNDELL

A economia mundial parece estar entrando em um período de crescimento com características distintas e melhores do que apresentou ao longo da década passada. A economia dos EUA está crescendo a 3% ao ano, com baixo risco inflacionário. O Reino Unido ostenta 30 trimestres consecutivos sem recessão. O Japão começa a se recuperar de uma longa travessia deflacionária. China e Índia crescem a taxas estonteantes e mesmo o Brasil, embora com uma pesada agenda de reformas microeconômicas, legais e regulatórias, ameaça sair de sua letargia. Pela primeira vez, em muitos anos, estamos vendo um crescimento relativamente encadeado na economia mundial.
Há também uma espécie de "consenso global", em que (quase) todos concordam com as seguintes premissas: o Fed vai subir a taxa de juros paulatinamente; a China vai desacelerar sua economia de maneira ordenada; o dólar continuará em sua desvalorização suave e previsível em relação ao euro; o candidato John Kerry vai ganhar a eleição ou Bush vai abandonar o unilateralismo; e o preço do petróleo, que está ao redor de US$ 40 o barril -"sem motivo que o justifique", de acordo com a maioria dos analistas-, logo começará a cair.


O preço do petróleo pode subir muito mais, caso ocorra uma ruptura na monarquia saudita ou uma desestabilização na Rússia


Acho que a base desse consenso depende, primordialmente, da queda do preço do petróleo. Mas, se o preço do petróleo subir mais ainda, o que acontece? Com o mundo crescendo acima de 4,5% e a política monetária fortemente expansionista nos EUA, acho difícil imaginar que o preço do petróleo caia. Corrigindo o preço atual do petróleo pela inflação dos EUA, estamos praticamente no mesmo nível de preço de 1973, quando a economia mundial começou a apresentar taxas de inflação altas e baixo crescimento econômico.
O mundo depende hoje menos do petróleo como fonte de energia do que dependia nos três choques de preços ocorridos em 1973, 1979 e 1990. Por unidade de PIB mundial, consome-se hoje ao redor de 60% do que se consumia no passado. Mas aos preços atuais, se compararmos com o preço médio do ano passado, a conta dessa alta transfere aos países exportadores a fantástica soma de US$ 360 bilhões, apenas nos últimos 12 meses. Mas, se o preço subir mais, essa é a menor das conseqüências.
No que o quadro atual difere das crises anteriores? A primeira diferença é que a alta nos preços do petróleo, na década de 70, ocorreu devido ao corte de produção determinado pela Opep, e hoje a produção está aumentando, tendo crescido 4% em 2003. A demanda mundial também está subindo, devendo atingir 80 milhões de barris/dia em 2004. A segunda diferença é que, hoje, apenas a Arábia Saudita e a Rússia podem aumentar a produção de petróleo, já que Nigéria, Kuwait, Venezuela, Emirados Árabes, México e Irã estão produzindo no limite de suas capacidades. A produção mundial atual estimada é de 81 milhões de barris/dia.
Acima de US$ 40 o barril, a recuperação da economia dos EUA deve começar a patinar, por dois motivos: perda de renda dos consumidores e juros de longo prazo mais altos, talvez acompanhados de uma política monetária mais ativa por parte do Fed. Isso afetará a todos, reduzindo o crescimento mundial.
Se o petróleo subir mais, a China -um dos motores da economia mundial e principal responsável pela alta no preço das matérias-primas, que está beneficiando os países emergentes- terá sérios problemas. A demanda chinesa por petróleo aumentou em 18% apenas em 2004, depois de subir outros 36% em 2003, o que a coloca em segundo lugar no consumo mundial. O país é fortemente dependente de energia, quase toda importada na forma de óleo.
Além disso, com o petróleo ao nível de preço atual, os países da eurozona já estão enfrentando uma taxa de inflação perigosamente alta. Se o petróleo subir mais, a recuperação econômica desses países ficará ainda mais difícil. E o preço do petróleo pode subir muito mais, caso ocorra uma ruptura na monarquia saudita ou uma desestabilização na Rússia.
A monarquia saudita sempre sustentou sua legitimidade na religião. Nos últimos anos, vem perdendo rapidamente o apoio da igreja, que passou a acusar a família real de corrupta e apóstata e de colaborar com o inimigo, os EUA e Israel. Uma alternativa democrática não existe, já que a casa real é virtualmente dona de todo o país. A pequena classe média, que conseguiu estudar no exterior, está frustrada com a falta de liberdade, oportunidade e emprego, e 31% da população é de jovens entre 15 e 35 anos, desesperançados, sem perspectiva profissional e educados em "madrassas", as escolas religiosas. Esses jovens, despreparados para o exercício de profissões técnicas, são presas fáceis de radicais que lutam pelo poder.
O mundo depende hoje, perigosamente, da monarquia na Arábia Saudita e da nascente democracia russa. O caso da monarquia saudita é o mais grave. Equilibrada sobre o que os EUA podem lhe dar militarmente -e não é muito, observado o que acontece no Iraque e o fundamentalismo islâmico-, a casa real de Saud, se cair, poderá colocar o mundo no fio da navalha.

Walter Brasil Mundell, mestre em economia aplicada pela Eaesp-FGV, é vice-presidente de investimentos da Sul América Seguros.


Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
Ricardo Kotscho: Ao debate, caros colegas

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.