São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Petróleo: novo risco mundial?
WALTER MUNDELL
Acho que a base desse consenso depende, primordialmente, da queda do preço do petróleo. Mas, se o preço do petróleo subir mais ainda, o que acontece? Com o mundo crescendo acima de 4,5% e a política monetária fortemente expansionista nos EUA, acho difícil imaginar que o preço do petróleo caia. Corrigindo o preço atual do petróleo pela inflação dos EUA, estamos praticamente no mesmo nível de preço de 1973, quando a economia mundial começou a apresentar taxas de inflação altas e baixo crescimento econômico. O mundo depende hoje menos do petróleo como fonte de energia do que dependia nos três choques de preços ocorridos em 1973, 1979 e 1990. Por unidade de PIB mundial, consome-se hoje ao redor de 60% do que se consumia no passado. Mas aos preços atuais, se compararmos com o preço médio do ano passado, a conta dessa alta transfere aos países exportadores a fantástica soma de US$ 360 bilhões, apenas nos últimos 12 meses. Mas, se o preço subir mais, essa é a menor das conseqüências. No que o quadro atual difere das crises anteriores? A primeira diferença é que a alta nos preços do petróleo, na década de 70, ocorreu devido ao corte de produção determinado pela Opep, e hoje a produção está aumentando, tendo crescido 4% em 2003. A demanda mundial também está subindo, devendo atingir 80 milhões de barris/dia em 2004. A segunda diferença é que, hoje, apenas a Arábia Saudita e a Rússia podem aumentar a produção de petróleo, já que Nigéria, Kuwait, Venezuela, Emirados Árabes, México e Irã estão produzindo no limite de suas capacidades. A produção mundial atual estimada é de 81 milhões de barris/dia. Acima de US$ 40 o barril, a recuperação da economia dos EUA deve começar a patinar, por dois motivos: perda de renda dos consumidores e juros de longo prazo mais altos, talvez acompanhados de uma política monetária mais ativa por parte do Fed. Isso afetará a todos, reduzindo o crescimento mundial. Se o petróleo subir mais, a China -um dos motores da economia mundial e principal responsável pela alta no preço das matérias-primas, que está beneficiando os países emergentes- terá sérios problemas. A demanda chinesa por petróleo aumentou em 18% apenas em 2004, depois de subir outros 36% em 2003, o que a coloca em segundo lugar no consumo mundial. O país é fortemente dependente de energia, quase toda importada na forma de óleo. Além disso, com o petróleo ao nível de preço atual, os países da eurozona já estão enfrentando uma taxa de inflação perigosamente alta. Se o petróleo subir mais, a recuperação econômica desses países ficará ainda mais difícil. E o preço do petróleo pode subir muito mais, caso ocorra uma ruptura na monarquia saudita ou uma desestabilização na Rússia. A monarquia saudita sempre sustentou sua legitimidade na religião. Nos últimos anos, vem perdendo rapidamente o apoio da igreja, que passou a acusar a família real de corrupta e apóstata e de colaborar com o inimigo, os EUA e Israel. Uma alternativa democrática não existe, já que a casa real é virtualmente dona de todo o país. A pequena classe média, que conseguiu estudar no exterior, está frustrada com a falta de liberdade, oportunidade e emprego, e 31% da população é de jovens entre 15 e 35 anos, desesperançados, sem perspectiva profissional e educados em "madrassas", as escolas religiosas. Esses jovens, despreparados para o exercício de profissões técnicas, são presas fáceis de radicais que lutam pelo poder. O mundo depende hoje, perigosamente, da monarquia na Arábia Saudita e da nascente democracia russa. O caso da monarquia saudita é o mais grave. Equilibrada sobre o que os EUA podem lhe dar militarmente -e não é muito, observado o que acontece no Iraque e o fundamentalismo islâmico-, a casa real de Saud, se cair, poderá colocar o mundo no fio da navalha. Walter Brasil Mundell, mestre em economia aplicada pela Eaesp-FGV, é vice-presidente de investimentos da Sul América Seguros. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ricardo Kotscho: Ao debate, caros colegas Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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