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TENDÊNCIAS/DEBATES
A dependência que vem das idéias
DOMÉRIO NASSAR DE OLIVEIRA
É grande o risco de permanecermos prisioneiros de um mito que
parece justificar os descaminhos do
Brasil. Sem formulações alternativas e
constrangidos pela mídia que ainda reverbera os ecos do "pensamento único", os programas econômicos apresentados por alguns candidatos ainda se
curvam à idéia de que os brasileiros precisam poupar para que o país possa
crescer. Ironicamente, atrelam suas
propostas a afirmações teóricas falaciosas, que precisam ser desmistificadas
para que o país recupere sua auto-estima e possa destravar a prisão conceitual
a que foi confinado.
O Brasil não precisa de poupança para
financiar crescimento. Precisa, sim, de
maior emissão e circulação de moeda
que se vincule à geração de produto.
Não há por que se alarmar com inflação
se a gestão dessa moeda, dosando liquidez ao aumento da produção, for criativa e combinar estímulos ou desestímulos à sua expansão, através da maior ou
menor concessão de empréstimos pelo
sistema bancário aos diferentes setores
econômicos que se queira sensibilizar.
A moeda em questão não é a moeda
em papel ou metálica de emissão oficial,
que sacamos dos bancos e carregamos
no bolso. Essa moeda guarda relação estável com o PIB (2,5%), sendo pouco relevante para influenciar nossa macroeconomia. A moeda que interessa é
aquela que movimentamos por meio
dos cheques. Ou seja, a moeda escritural
correspondente a 46% do PIB e composta por valores que são, na realidade,
emitidos como arquivos eletrônicos pelos bancos, para só depois circularem na
rede de seus computadores, em nossas
contas de depósitos à vista ou a prazo.
Até sua extinção, essa moeda eletrônica muda de endereço entre contas de diferentes titulares, mas permanece sempre dentro do computador de algum
banco dessa rede fechada em torno do
computador do Banco Central. É essa
massa monetária que precisa ser gerida
de forma bem mais consciente, usando-se expedientes que regulem o acréscimo
de seu volume e a frequência de sua circulação à esfera produtiva da economia,
para que possa acelerar o crescimento.
Se abrirmos, então, uma janela ao
pensamento, despoluindo idéias entulhadas pelas "teorias" que nos acometeram nos últimos anos, poderemos fazer
uma leitura mais limpa da realidade da
operação bancária atual e constatar, de
forma tão simples quanto definitiva,
que o sistema bancário não faz intermediação de recursos. É, antes de tudo, um
sistema fechado de emissão de moeda
eletrônica e de compensação recíproca
de seus saques. Constatado esse fato,
transparente a quem aceite depor a viseira das abordagens convencionais,
vem a pergunta: Por que haveria necessidade de poupança para financiar investimentos, se a moeda eletrônica, passível de ser emitida ou de circular a
qualquer tempo, permanece sempre interna à rede bancária?
Individualmente, os bancos precisam
recapturar parte da moeda que lançam
em circulação eletrônica. Mas, nessa recaptura, um depósito a prazo vale tanto
quanto a conquista da carteira de cobrança ou da folha de pagamentos de
uma empresa qualquer. Vale pelo direito de saque momentâneo que confere
ao banco que o captura, contra os demais bancos do sistema de compensação. Como estes bancos estão em constante movimento de sucessivas compensações diárias e de cancelamentos
de saques recíprocos, o que interessa a
cada um é nivelar os saques que lhes são
dirigidos contra os saques que dirigem
aos demais. É basicamente disso que se
ocupam suas tesourarias quando definem suas metas de captação diária.
E não poderia mesmo ser de outra forma. Se o sistema bancário fosse um mero intermediário de recursos, tomados
de um lado para serem repassados a outro, como querem nos fazer crer os que
pregam a necessidade de poupança para prover investimentos, deparariamo-nos com o impasse lógico da depressão
do faturamento, do lucro e dos salários
das empresas cujos consumidores drenassem poder aquisitivo para compor a
poupança proclamada.
O Brasil vem sendo engambelado e algemado a uma ilusória dependência de recursos preexistentes
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Ou seja, a poupança dos consumidores tenderia a ser anulada pela "despoupança" decorrente da baixa de renda
das empresas e de seus funcionários. E
aí, como poderia haver crescimento, se
ficariam comprometidos os investimentos pagos pelo faturamento das
empresas, condicionado pelo consumo
dos bens que produzem? Consumo e investimento não se excluem. Afinal, não
é óbvio que empresas precisam vender
mais para lucrarem e investirem mais?
Poupança, nas diferentes formas financeiras e prazos que pode assumir,
depende do estoque flutuante da moeda
eletrônica. Pode ser meio para redirecionar a aplicação dessa moeda. Mas, se
a política econômica não favorece a expansão daquele estoque emitido pelo
sistema bancário, conclamar um país a
poupar, além de irrelevante, faz lembrar
a imagem circular do cachorro tentando morder o próprio rabo.
A síntese dessa história sobre a necessidade de poupança, tolice angular das
idéias liberais, é uma só. O Brasil vem
sendo engambelado e algemado a uma
ilusória dependência de recursos preexistentes por "teorias" de base falsa, recheadas de sofisticações inúteis, que só
legitimam neutralidade e favorecimento ao sistema financeiro. Se avaliada
com maior criatividade e independência, poderia ser relegada ao plano das
histórias da carochinha. Infelizmente
não há indícios de que isso esteja acontecendo.
Domério Nassar de Oliveira, 46, economista, é
diretor financeiro Companhia de Processamento
de Dados do Município de São Paulo.
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