São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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FERNANDO RODRIGUES

A favela, os garçons e Lula

TERESINA - Quando ocorre um ato falho, já disse Freud, o indivíduo se revela por inteiro. Fala algo que normalmente não gostaria de dizer se pensasse duas vezes.
Luiz Inácio Lula da Silva protagonizou vários atos falhos ontem, aqui em Teresina, capital do Piauí. Ao apresentar alguns de seus ministros para os miseráveis da Vila Irmã Dulce, discursava como se ainda fosse candidato ou presidente eleito.
Humberto Costa "vai ser ministro da Saúde", disse o presidente. Corrigiu-se em seguida: "Não vai ser, não. Já é. Porque nós ganhamos a eleição e já tomamos posse". Outros ministros foram alvos do mesmo ato falho de Lula. Freud explica. Era mais fácil ser oposição do que situação.
A simbólica e marqueteira viagem à miséria não serviu apenas para Lula mostrar a seus ministros como é o Brasil profundo.
O presidente também começou a desfrutar da beleza que é a distância abissal entre o poder e os pobres -para quem está no poder, é claro.
Exemplo: os garçons vestidos de ternos brancos e gravata borboleta servindo água gelada para os ministros e Lula. Na praça de chão de terra batida, piauienses desmaiavam de calor. Havia apenas seis banheiros improvisados para 7.000 pessoas.
Seria demagogia exigir que o presidente da República não tivesse água gelada à disposição. Mas garçons engravatados no meio da favela? Imagine o leitor se o protagonista do comício fosse FHC.
Não é tudo. A favela foi isolada. Cordões por todos os lados. Os favelados só entravam depois de se submeterem a um dos quatro detetores de metais instalados no local.
É possível que Lula fizesse tudo diferente se tivesse sido avisado sobre os sinais exteriores do abismo social brasileiro que estavam montando para ele. Esse é o ponto. O presidente logo verá que não vai opinar sobre muita coisa. Terá de confiar em assessores. Verá então como é difícil ser governo de verdade.


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