São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A multa do FGTS deveria ser reduzida?

SIM

Dos males o menor

DAGOBERTO LIMA GODOY

Quando o ministro do Trabalho, Jaques Wagner, acenou com a possibilidade de acabar com a multa de 40% sobre o saldo da conta do FGTS do trabalhador demitido sem justa causa, a Folha registrou reações diametralmente opostas: centrais sindicais, contra; lideranças empresariais, a favor. Entre estas, a Folha incluiu minha opinião, também favorável, mas acompanhada de um "desde que" muito importante.
Baseio minha cautela na réplica do ministro, em entrevista na TV: "As centrais sindicais esqueceram-se de que a grande bandeira é uma legislação que proteja o trabalhador contra a demissão imotivada. Se houver essa legislação, não há mais sentido na multa". E mais: "É bem melhor ter o seu emprego perenizado do que receber uma multa quando for demitido".
Creio que há aí motivos mais do que suficientes para juntar à aprovação da cogitada eliminação da multa a seguinte ressalva: desde que a eliminação da multa não venha acompanhada de uma volta ao instituto da estabilidade no emprego. Pois esta era a inspiração do inciso I do artigo 7º da Constituição de 1988 (citada pelo ministro, em apoio à sua idéia de perenização do emprego), que instituiu como direito do trabalhador a "relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa".
Foi contra o retrocesso de uma estabilidade rígida -como a que, no passado, havia engessado a gestão empresarial no país- que os constituintes criaram a referida multa, a vigorar transitoriamente, até a elaboração de uma lei que a viesse substituir, como penalização para a despedida imotivada. Esta lei, esperava-se, poderia resultar de uma reflexão mais ponderada e sensata, que encontrasse uma forma de proteger os empregados do arbítrio dos maus empregadores sem trazer de volta as más consequências da experiência anterior.
Desde então, o refluxo do protecionismo laboral europeu e a queda das barreiras alfandegárias, que protegiam as empresas brasileiras de uma competição mais acirrada vinda de fora, fizeram da multa um dispositivo mais do que severo, tanto é que a tal lei nunca foi, de fato, reclamada.
A verdade é que a competição desenfreada, imposta pelas mudanças tecnológicas e pela globalização econômica (para não falar da instabilidade do nosso próprio cenário macroeconômico), ao exigir das empresas a máxima rapidez de adaptação, tornou obsoletos todos os mecanismos artificiais de "perenização" dos empregos. Até o Japão vem sendo obrigado a revisar sua tradição do emprego vitalício (a qual, diga-se de passagem, lá sempre valeu só para os empregados das grandes empresas).
Uma leitura atenta da própria Convenção 158 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), citada pelo ministro, mostra que, já em 1982, quando foi aprovada, alertava que suas disposições -relativas à proteção do trabalhador despedido- deveriam ser adotadas "por meio da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições se apliquem por via de contratos coletivos, laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer forma conforme a prática nacional"; isto é, de forma suplementar à negociação coletiva, esta, sim, a regra geral priorizada pela OIT.
O grande desafio da reforma da legislação trabalhista, que o presidente Lula tem condições incomparáveis de realizar, está em conseguir, ao mesmo tempo, que as relações de trabalho sejam regidas pela negociação entre empregadores e empregados, deixando a regulação oficial restrita às exceções e ao mínimo essencial, e em dar aos trabalhadores, por meio das instituições públicas, a proteção social possível, especialmente em caso de desemprego estrutural e em termos de Previdência básica.
Saúdo a afirmação do ministro Wagner de que "só o desenvolvimento econômico traz novo emprego". Por isso mesmo é preciso remover os empecilhos à produtividade nacional, entre os quais se incluem todos os fatores que oneram o custo do trabalho sem beneficiar diretamente o trabalhador.
Mas há também que rever outros, que inibem a tão necessária geração de empregos por aumentarem os custos da contratação. Este é o caso da citada multa, que também estimularia a rotatividade, como concluiu um recente estudo conjunto do Ipea e do Banco Mundial.
Então, o ministro está certo em propor a revisão do assunto, mas com o fim de perenizar os empregos, em uma economia florescente, e não para tentar perenizar, no emprego, trabalhadores de empresas pouco competitivas porque prejudicadas na sua liberdade de gestão. Nosso aplauso ao ministro, desde que...


Dagoberto Lima Godoy, 64, membro do Conselho de Administração da OIT, é presidente do Conselho de Relações do Trabalho da CNI (Confederação Nacional da Indústria).


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