São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Sapatos e gravatas

RIO DE JANEIRO - O mais recente ministro da Educação, como todos os que chegam ao poder, promete mais uma reforma no ensino, reforma que está sendo feita desde que Anchieta e Nóbrega começaram a catequizar os nossos índios.
Um cidadão comum com mais de 50 anos atravessou diversas dessas reformas, daí que encontramos pessoas deslocadas de sua vocação, porque, em determinada época, não tiveram condições de superar as cascas de banana (técnicas ou financeiras) que o ensino oficial colocava no caminho dos pretendentes aos estudos superiores.
O latim tirou o tesão de muitos candidatos à advocacia, a matemática mudou a vida de pessoas que gostariam de ser médicos -e fico em dois exemplos apenas, atrevendo-me a mais um, de ordem pessoal.
Se fosse hoje prestar um exame de admissão, com as novas regras gramaticais e ortográficas e os conceitos de sintaxe, eu não teria passado -o que não chega a ser uma revelação, os possíveis leitores já descobriram isso há bastante tempo.
Mudam não apenas a filosofia da educação mas o conteúdo, a matéria de ensino em si. Nunca entendi a classificação de ciência exata. Todas elas, mesmo a física e a própria matemática, não chegaram nunca a ser exatas. Volta e meia levam um esbarrão e tudo fica fora de foco. A equação de Einstein, que derrubou o universo de Newton, está sendo contestada por um jovem português já em nível acadêmico. No terreno das ciências ditas humanas (todas não deixam de ser humanas, uma vez que fabricadas e utilizadas pelo homem), elas estão sempre em processo.
Para acompanhar a dinâmica das ciências exatas ou humanas, é necessário um ponto de observação fixo, um critério objetivo de busca e pesquisa, que é a matéria em si do ensino. Mudar essa matéria, reformando-a de tempos em tempos, é tornar relativa a educação, como o tamanho do salto de um sapato para a mulher ou a largura de uma gravata para o homem.


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