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ANTONIO DELFIM NETTO
A teoria do boato
Ruy Aguiar da Silva Leme, professor da USP e um varão de Plutarco, foi um grande presidente do
Banco Central do Brasil nos anos 60.
Ruy foi uma das mais finas inteligências com quem tive a ventura de conviver ao longo da minha vida. A política monetária (o "estado da arte") era
então simples: tentar acomodar a taxa
de crescimento da base monetária à
taxa desejada de inflação mais o esperado aumento da taxa do PIB. Usavam-se, também, instrumentos simples, como as reservas bancárias primárias, o redesconto e os depósitos
compulsórios. Não havia, praticamente, dívida de responsabilidade do
Tesouro em circulação além das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional -e ela não chegava a 4% ao
PIB. As operações de "mercado aberto" só foram dinamizadas a partir da
criação das Letras do Tesouro Nacional, em agosto de 1970.
Eram momentos politicamente tensos (1967/68), e estávamos saindo de
uma forte recessão com uma importante capacidade ociosa a ser mobilizada. O quadro institucional fora profundamente modernizado pela dupla
de ministros Roberto Campos e Octavio Bulhões, até mesmo com uma formidável reforma tributária, que entrou em vigor no dia 15 de março de
1967. No Rio de Janeiro, que até então
havia sido o "centro do poder político-econômico", funcionava uma "Bolsa"
que se alimentava de toda a sorte de
intrigas, fofocas, boatos e piadas, divulgados com aparente ingenuidade
em suas famosas "colunas", que eram
um fenômeno tipicamente carioca...
Foi nesse ambiente hostil que Ruy
me apareceu com a sua "teoria do
boato", resumida em três leis:
1. a velocidade de propagação do
boato é diretamente proporcional à
importância do assunto ou da personalidade a que se refere;
2. a velocidade de propagação do
boato é inversamente proporcional ao
efetivo conhecimento da situação;
3. quando se soma a importância do
assunto à ignorância generalizada sobre as condições em que o boato poderia deixar de sê-lo, ele atinge a velocidade da luz!
Um exemplo que satisfaz a teoria do
boato de Ruy foi o que aconteceu na
última quarta-feira (4/2): quase simultaneamente (o que prova a terceira
lei), em Brasília, em Roraima, no Rio
Grande do Sul, no Acre e em Pernambuco, se divulgava, de "boca em boca", que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, havia sido
demitido. Na Câmara dos Deputados,
uma parte do PT já comemorava ("recuperamos, finalmente, nosso Lula!")
e uma parte da oposição esteve próxima do pânico ("finalmente ele, Lula,
mostrou sua cara, como sempre dissemos que aconteceria!"). Não foi possível convencer com argumentos racionais nenhuma das duas partes de que
aquilo tinha de ser puro boato, pois a
imprudência que ele indicaria, nesse
momento, provavelmente jogaria o
país em mais alguns anos de atraso.
Foram dormir, uns com alegria e
outros com decepção, para acordar,
no dia seguinte, respectivamente, com
decepção e alegria! Era outro dia, e sua
luz dissolveu o boato...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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