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REFUNDAR A CIDADE
Há muito em comum entre a má
qualidade de vida na cidade de São
Paulo e o revoltante contingente de
funcionários e parlamentares paulistanos ora sob investigação. Mas a falta de caráter dessas dúzias de suspeitos ora inquiridos não é a única responsável pela desordem urbana que
torna a vida tão difícil em São Paulo.
Nem é a derrama das propinas apenas um caso de polícia.
Não se considerou com a devida
atenção o fato de que tais costumes
fossem tão conhecidos, tão tolerados, de que havia tanta conivência
com a máfia da corrupção e com a
devastação da cidade. Que empresas
prestadoras de serviços para a prefeitura pagavam propinas, sem que
atenção bastante tenha sido dirigida
para a atuação dessas companhias.
Muito se falou do emaranhado de
leis que favoreceriam a atuação dos
achacadores, que explorariam empresários ou cidadãos dadas as inúmeras possibilidades de interpretação de leis urbanas. Enfim, está parecendo que quase toda a sociedade
paulistana é apenas vítima nessa história. Que agora basta encarcerar as
figuras que traficam direitos e bens
públicos. Que, enfim, a cidade descobriu um câncer e que tudo estará
nos trilhos se o tumor for extirpado.
Não é o caso, em nenhuma dessas
hipóteses. As leis urbanas sempre foram objeto do negocismo de políticos e empresários que pouco se importavam com o planejamento urbano. Mas mesmo as leis existentes foram atropeladas pelo individualismo
selvagem dos cidadãos que montavam sua loja em rua indevida ou que
pagavam para colocar publicidade de
seu negócio de forma e em local irregular, para os que construíram loteamentos, casas e barracos em áreas de
mananciais e assim por diante.
Foi um grande acordo tácito e ilegal
entre maus funcionários e cidadãos
oportunistas que colaborou para que
São Paulo fosse tão caótica, suja e desagradável. Grande responsabilidade têm também os eleitores que inadvertida ou despreocupadamente elegeram políticos descompromissados
com o rigor fiscal e legal, para dizer o
menos. Celso Pitta e Paulo Maluf dizimaram assumidamente o caixa da
prefeitura com o fito de alavancar
suas carreiras políticas.
Fizeram, no mínimo, acordos e vista grossa para a rapinagem. Pitta, tão
enrodilhado em problemas na Justiça, virou refém da máfia, enquanto
sua administração desmoronava.
Não há agora soluções simples para
o desastre legal, urbanístico, administrativo e político de São Paulo. Será decerto preciso encontrar cadeia
para muita gente, punições exemplares para corruptos e corruptores.
Mas é preciso deixar claro que os
cidadãos não podem ser coniventes
com o desrespeito às leis que tentam
civilizar a cidade, que é preciso desmontar todo o aparato incivilizado,
financiado pela propina, que se incrustou no patrimônio urbano.
A tarefa, porém, estará incompleta
sem a reforma das instituições municipais. A organização da cidade em
regionais, a participação dos cidadãos no governo, as leis que regem a
organização urbana, tudo deve ser
revisto. É preciso decerto que muitos
personagens sejam legalmente depostos, banidos da vida pública ou o
que seja. Mas sem a reforma de leis e
de instituições a mudança será superficial: persistirá a desordem urbana e a corrupção voltará.
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