São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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REFUNDAR A CIDADE

Há muito em comum entre a má qualidade de vida na cidade de São Paulo e o revoltante contingente de funcionários e parlamentares paulistanos ora sob investigação. Mas a falta de caráter dessas dúzias de suspeitos ora inquiridos não é a única responsável pela desordem urbana que torna a vida tão difícil em São Paulo. Nem é a derrama das propinas apenas um caso de polícia.
Não se considerou com a devida atenção o fato de que tais costumes fossem tão conhecidos, tão tolerados, de que havia tanta conivência com a máfia da corrupção e com a devastação da cidade. Que empresas prestadoras de serviços para a prefeitura pagavam propinas, sem que atenção bastante tenha sido dirigida para a atuação dessas companhias.
Muito se falou do emaranhado de leis que favoreceriam a atuação dos achacadores, que explorariam empresários ou cidadãos dadas as inúmeras possibilidades de interpretação de leis urbanas. Enfim, está parecendo que quase toda a sociedade paulistana é apenas vítima nessa história. Que agora basta encarcerar as figuras que traficam direitos e bens públicos. Que, enfim, a cidade descobriu um câncer e que tudo estará nos trilhos se o tumor for extirpado.
Não é o caso, em nenhuma dessas hipóteses. As leis urbanas sempre foram objeto do negocismo de políticos e empresários que pouco se importavam com o planejamento urbano. Mas mesmo as leis existentes foram atropeladas pelo individualismo selvagem dos cidadãos que montavam sua loja em rua indevida ou que pagavam para colocar publicidade de seu negócio de forma e em local irregular, para os que construíram loteamentos, casas e barracos em áreas de mananciais e assim por diante.
Foi um grande acordo tácito e ilegal entre maus funcionários e cidadãos oportunistas que colaborou para que São Paulo fosse tão caótica, suja e desagradável. Grande responsabilidade têm também os eleitores que inadvertida ou despreocupadamente elegeram políticos descompromissados com o rigor fiscal e legal, para dizer o menos. Celso Pitta e Paulo Maluf dizimaram assumidamente o caixa da prefeitura com o fito de alavancar suas carreiras políticas.
Fizeram, no mínimo, acordos e vista grossa para a rapinagem. Pitta, tão enrodilhado em problemas na Justiça, virou refém da máfia, enquanto sua administração desmoronava.
Não há agora soluções simples para o desastre legal, urbanístico, administrativo e político de São Paulo. Será decerto preciso encontrar cadeia para muita gente, punições exemplares para corruptos e corruptores.
Mas é preciso deixar claro que os cidadãos não podem ser coniventes com o desrespeito às leis que tentam civilizar a cidade, que é preciso desmontar todo o aparato incivilizado, financiado pela propina, que se incrustou no patrimônio urbano.
A tarefa, porém, estará incompleta sem a reforma das instituições municipais. A organização da cidade em regionais, a participação dos cidadãos no governo, as leis que regem a organização urbana, tudo deve ser revisto. É preciso decerto que muitos personagens sejam legalmente depostos, banidos da vida pública ou o que seja. Mas sem a reforma de leis e de instituições a mudança será superficial: persistirá a desordem urbana e a corrupção voltará.


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