São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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Reserva de lucro

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Concordo com alguns neoliberais globalizados quanto à malignidade da reserva de mercado. A não ser em tempos de guerra, nada mais nefasto do que tornar estanques alguns setores da economia nacional.
Contudo pior do que a reserva de mercado é a reserva de lucro que o atual governo implantou. Tudo pode ruir, a moeda, o custo de vida, o parque industrial, o mercado de trabalho, a moral e a compostura. Menos o lucro dos investidores e dos agentes financeiros.
O argumento mais tolo que eles apresentam é o da reação em cadeia. Um banco mal administrado, ou dolosamente operado, é um organismo podre que deve ser extirpado do corpo sadio do próprio mercado. Não se trata de um axioma econômico-financeiro. É um conceito elementar que se aplica a uma maçã podre.
A menos que todo o sistema seja incompetente ou corrupto, os bancos realmente sólidos, que não operam na base de favores ilegais, não precisarão temer uma reação em cadeia. Cai quem tem de cair, quem comete as mesmas irregularidades, beneficiando-se dos elementos infiltrados no poder para ter acesso às informações privilegiadas e praticando outras formas de improbidade. Que, aliás, são muitas.
A grita do governo, em especial da equipe econômica, invocando os perigos da reação em cadeia, é um urro a favor da reserva do lucro. Um tipo de nacionalismo a favor do bolso interessado.
Não vem ao caso citar Brecht, autor meio fora de moda, mas que não pode ser acusado de idiota: tanto faz roubar ou fundar um banco. Se assim é, então que venha a reação em cadeia, desde que haja cadeia para punir a incompetência ou a corrupção.
Pode ser uma solução apocalíptica, os bancos todos quebrados. Na terra arrasada que sobrar (se sobrar alguma coisa), talvez seja possível a existência de um governo que não use o meu, o seu e o nosso dinheiro para garantir o lucro de quem é incompetente ou corrupto.


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