São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve haver uma CPI para apurar denúncia de irregularidade no leilão da Vale?

SIM

Pela transparência

JOÃO PAULO CUNHA

A privatização de estatais brasileiras, especialmente da Companhia Vale do Rio Doce e do sistema Telebrás, ganhou notoriedade por ser um dos maiores negócios do mundo, seja pelo porte das empresas, seja pelo valor econômico. Mas gerou questionamentos de toda a ordem e produziu um personagem sob o qual pairam graves suspeitas.
Trata-se do economista Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil.
A revista "Veja" da última semana revelou, com base em depoimentos do ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros e do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que Ricardo Sérgio teria pedido ao empresário Benjamin Steinbruch uma comissão no valor de R$ 15 milhões para capitanear o apoio dos fundos de pensão ao consórcio vencedor da privatização da Vale do Rio Doce. Steinbruch liderou o consórcio vencedor do leilão de venda da Vale.
Não é a primeira vez que Ricardo Sérgio teve seu nome envolvido em assuntos nebulosos. Ele vem sendo investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal por sua atuação na privatização do sistema Telebrás. De acordo com o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, ele teria cobrado propina de R$ 90 milhões para intermediar o apoio dos fundos de pensão à montagem do consórcio Telemar.
Em sua edição de ontem, a Folha lançou mais uma dúvida sobre o comportamento de Ricardo Sérgio. Desta vez, ele é acusado de ter usado sua influência no Banco do Brasil, em 1995, para favorecer empresas de um dos doadores da campanha do senador José Serra, em 1994. De acordo com a reportagem da Folha, o beneficiário dos favores teria sido o empresário espanhol, naturalizado brasileiro, Gregório Marin Preciado. A dívida de duas empresas de Marin, a Gremafer e a Aceto, foi reduzida em R$ 73,7 milhões.
A esses fatos acrescentam-se outros, acerca de supostas irregularidades, relacionados ao processo de privatização, regularmente estampados na imprensa. Ao que consta, nenhuma providência clara tem sido tomada por parte do governo para esclarecer a verdade dos fatos. Aliás, fosse de outra forma, Ricardo Sérgio não teria continuado na diretoria do Banco do Brasil, mesmo após o presidente da República ter sido informado sobre as estripulias que ele andava praticando naquele posto. É falsa, portanto, a idéia de que o governo FHC tem combatido a corrupção. Na verdade, o governo tem se especializado em engavetar denúncias.
Mas, neste caso específico, o comportamento do PSDB, do governo, da candidatura Serra e do próprio Legislativo deveria ser diferente, ou seja, permitir a investigação. Politicamente, Ricardo Sérgio é um cadáver insepulto e, não sendo investigado agora, atormentará o Palácio do Planalto e o comitê de José Serra até as eleições de outubro.
E, mais uma vez, dará argumentos àqueles que, como Paul O'Neill, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, consideram que a corrupção no Brasil deixou de ser apenas uma questão moral e adquiriu dimensão macroeconômica, contribuindo para a manutenção das taxas de juros estratosféricas praticadas no país.
O PT gostaria de atravessar o período eleitoral com tranquilidade. O que nos interessa é fazer a disputa eleitoral e ganhar as eleições, disputando idéias por um novo país. Mas o dever de investigar é imperativo.
CPI não é panacéia para todos os males do Brasil. Ela é um instrumento de que o Parlamento lança mão, circunstancialmente, para investigar eventuais ilicitudes envolvendo autoridades e funcionários públicos.
Insisto: o Congresso Nacional não pode fazer vistas grossas diante desses escândalos. Por isso, os partidos de oposição na Câmara dos Deputados -PT, PL, PDT, PSB e PC do B- apresentaram requerimento propondo a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Nossa proposta é uma CPI mista de curta duração -30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, para não contaminar o processo eleitoral-, circunscrita a apurar os fatos acima relatados.
Quem não deve, não teme. A transparência é o dever de toda a autoridade pública.


João Paulo Cunha, 43, deputado federal pelo PT de São Paulo, é líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados.



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