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Um ano da crise de maio: nada mudou
PAULO DE MESQUITA NETO e FERNANDO SALLA
Um ano após a maior crise de segurança pública do país, ocorrida em SP, quase nada mudou. O balanço
das ações é modesto
UM ANO após a maior crise já vivida no país, acontecida entre
maio e agosto de 2006 no Estado de São Paulo, praticamente nada
mudou na área da segurança pública,
poucos avanços foram realizados e
melhorias que, a médio e longo prazo,
poderiam minimizar o risco de novas
crises não foram alcançadas.
É reveladora a inércia, a resistência
a alterações no funcionamento dos
aparatos de segurança pública, Justiça criminal e administração penitenciária mesmo depois das mudanças
de governo em 2007.
Disso resultam duas conclusões
trágicas. 1) Para as autoridades, não se
muda porque não há necessidade. Polícia, prisão e Justiça funcionam com
problemas, mas a contento. Não se reconhece, portanto, a contribuição de
cada uma delas na geração das crises
na área de segurança. 2) Sem mudanças, os detonadores da crise de 2006
continuam em seus lugares.
O balanço das ações é modesto. Em
2007, o governador José Serra manteve Antônio Ferreira Pinto na Secretaria da Administração Penitenciária
e nomeou Ronaldo Marzagão para a
Segurança Pública. Nomeou Luiz Antonio Marrey para a Justiça e Defesa
da Cidadania e criou o Conselho de
Governo de Justiça e Segurança, integrado pelos três secretários, vice-governador, chefe da Casa Civil e secretários da Fazenda e da Economia e
Planejamento.
Na Segurança Pública, as principais
ações foram: a criação de um centro
integrado de inteligência no gabinete
do secretário, a continuidade das
Operações de Saturação por Tropas
Especiais e o início de uma articulação com organizações da sociedade
civil, municipais e internacionais visando auxiliar e dar continuidade às
operações de saturação por meio de
ações sociais.
Em 29/3/2007, o presidente da República sancionou duas leis aprovadas às pressas pelo Congresso. A primeira tipificou como falta disciplinar
grave do preso e crime do agente público o porte e o uso de telefones celulares e radiocomunicadores nas prisões. A segunda restringiu os direitos
dos autores de "crimes hediondos",
dando a eles o benefício de progressão
de pena e liberdade provisória apenas
depois de cumpridos 40% da pena, se
primários, e 60%, se reincidentes.
Os órgãos de segurança e as autoridades políticas parecem não reconhecer os principais problemas na área
da segurança pública. Para conter e
prevenir a emergência de novas crises, propuseram cardápios de medidas pontuais visando o endurecimento da legislação penal e penitenciária,
absolutamente incapazes de desmobilizar e desorganizar grupos criminosos dentro e fora das prisões.
O governo federal, além de apoiar o
endurecimento da legislação penal e
penitenciária, ofereceu ao governo
estadual recursos financeiros e tropas
do Exército e da Força Nacional para
apoiar as polícias estaduais.
A crise foi controlada, segundo as
autoridades. Mas não se pode deixar
de considerar que há uma mudança
de estratégia por parte do principal
grupo criminoso que atua nas prisões
de São Paulo, mandando milhares de
cartas para autoridades e ONGs com
denúncias relativas às condições de
encarceramento e não comparecendo
a audiências nos fóruns.
Porém, persistem problemas estruturais que criam condições para novas crises: o número de presos cresce,
as condições de encarceramento se
deterioram (centros de detenção provisória com capacidade para 800 presos abrigam 2.000), o número de funcionários é insuficiente -o que deixa
praticamente intacto o poder que os
grupos organizados têm sobre os presos- e as iniciativas de enfrentamento à corrupção e às ilegalidades praticadas por funcionários são mínimas.
Elementos subjacentes à crise de
2006, também presentes na de 2001,
quando ocorreu a megarrebelião nas
prisões paulistas, não foram devidamente avaliados para a adoção de políticas de médio e curto prazo:
1) resistências a reformas democratizantes e inovações na gestão das políticas de segurança pública, criminal
e penitenciária que contribuem para
manter um déficit de transparência
na administração pública e de responsabilização de agentes públicos;
2) aumento do crime organizado;
3) crescimento da população prisional superior ao aumento do número de vagas e da capacidade de gestão
do sistema penitenciário;
4) aumento da corrupção e da violência por parte de agentes públicos;
5) limitada mobilização da sociedade civil, do Ministério Público e do
Poder Judiciário.
A busca de respostas efetivas e articuladas a tais problemas poderia contribuir não só para evitar a eclosão de
novas crises mas também para melhorar a segurança pública no Estado.
PAULO DE MESQUITA NETO, 45, doutor em ciência política pela Universidade de Colúmbia (EUA), é coordenador
da área de Monitoramento de Direitos Humanos do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da USP).
FERNANDO SALLA, sociólogo, doutor em sociologia pela
USP, é pesquisador sênior do NEV-USP.
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