São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Festival de bocejos

RIO DE JANEIRO - Sempre me perguntei se os desfiles militares são a melhor forma de comemorar um Dia da Pátria. Não tenho nada contra os dobrados, até os aprecio, não apenas os de John-Philip Sousa, mas os nativos, que levavam o finado presidente João Figueiredo às lágrimas.
Mas não vejo relação entre a pátria e os regimentos marchando, os tanques, os canhões, os cavalos desfilando diante das autoridades ""civis e eclesiásticas" -como dizem os locutores que transmitem a efeméride. Aliás, o desfile merece mesmo este nome: efeméride.
No último 7 de Setembro, tivemos um festival de bocejos das autoridades e suas consortes. As lágrimas que rolavam pela face do general Figueiredo foram substituídas pelos bocejos presidenciais e governamentais. Vi as fotos na primeira página dos jornais e verifiquei que a festa cívica não emocionou nossos governantes nem seus apêndices domésticos.
Juscelino contava que, em Londres, fora a um concerto no Covent Garden tendo ao lado o Assis Chateaubriand, que era embaixador do Brasil em Londres. JK tinha um jeito de manter os olhos abertos mesmo quando dormia. Era um mineiro. O paraibano Assis Chateaubriand tinha outros truques, não esse.
Desabou num sono profundo. Quando Collin Davis, o maestro, prolongou o intervalo entre dois movimentos da Sexta, a Pastoral que enleva e consola, o teatro ouviu um ronco formidável, que fez tremer os lustres e escandalizou a rainha.
FHC deve ter truques também. Não os ensinou à esposa, que livremente bocejou durante o desfile. Tenho pena é dos soldados, que passaram a semana lustrando as botas e ludibriando as armas. Para obter bom rendimento da tropa, os instrutores apelam para o pundonor de cada um: ""Vocês vão desfilar diante do casal presidencial! É um orgulho e uma honra!".


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