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CLÓVIS ROSSI
O que é isso, companheiro?
SÃO PAULO - Há alguns episódios
menores que, no entanto, falam, às
vezes, mais sobre o caráter de homens
públicos do que grandes movimentos
no xadrez político.
Deu-se ontem um desses momentos: o chefe da Casa Civil, José Dirceu,
deixou o deputado Fernando Gabeira, de saída do PT, esperando uma
audiência por mais de uma hora.
Elegante, Gabeira limitou-se a classificar de "deselegante" o gesto de
Dirceu. "Lamento que um político
com a estatura dele faça isso. Isso é
um reflexo do comportamento que o
PT, sobretudo a cúpula do PT, teve
comigo ao longo desses nove meses",
queixou-se aos jornalistas, conforme
o relato da Folha Online.
Acho que é bem mais que deselegância, mais ainda se se considerar o
passado remoto de ambos. Não custa
lembrar: Gabeira foi um dos líderes
do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick no tempo
do regime militar e da luta armada.
O principal objetivo do sequestro
era obter, em troca do embaixador, a
libertação de alguns presos políticos,
entre os quais estava José Dirceu. Foi
graças, portanto, à ação de Gabeira,
entre outros, que Dirceu pôde sair
para o exílio.
Naquela época, como bem se sabe
hoje, preso político podia amanhecer
ainda preso ou já morto, como aconteceu com vários deles.
O troco para esse gesto supremo de
solidariedade política e pessoal foi
dado ontem. É profundamente revelador de como o poder muda as pessoas -quase sempre para pior.
É igualmente revelador o fato de
que parlamentares decentes, como
Eduardo Jorge, antes, Gabeira, agora, estejam saindo, enquanto a base
governista se alarga para tantos que,
em vez de solidariedade com os torturados, estavam do lado dos torturadores nos anos de chumbo.
PS - O título da coluna é idéia de
Marcos Augusto Gonçalves, editor de
Opinião desta Folha.
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