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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

O que é isso, companheiro?

SÃO PAULO - Há alguns episódios menores que, no entanto, falam, às vezes, mais sobre o caráter de homens públicos do que grandes movimentos no xadrez político.
Deu-se ontem um desses momentos: o chefe da Casa Civil, José Dirceu, deixou o deputado Fernando Gabeira, de saída do PT, esperando uma audiência por mais de uma hora.
Elegante, Gabeira limitou-se a classificar de "deselegante" o gesto de Dirceu. "Lamento que um político com a estatura dele faça isso. Isso é um reflexo do comportamento que o PT, sobretudo a cúpula do PT, teve comigo ao longo desses nove meses", queixou-se aos jornalistas, conforme o relato da Folha Online.
Acho que é bem mais que deselegância, mais ainda se se considerar o passado remoto de ambos. Não custa lembrar: Gabeira foi um dos líderes do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick no tempo do regime militar e da luta armada.
O principal objetivo do sequestro era obter, em troca do embaixador, a libertação de alguns presos políticos, entre os quais estava José Dirceu. Foi graças, portanto, à ação de Gabeira, entre outros, que Dirceu pôde sair para o exílio.
Naquela época, como bem se sabe hoje, preso político podia amanhecer ainda preso ou já morto, como aconteceu com vários deles.
O troco para esse gesto supremo de solidariedade política e pessoal foi dado ontem. É profundamente revelador de como o poder muda as pessoas -quase sempre para pior.
É igualmente revelador o fato de que parlamentares decentes, como Eduardo Jorge, antes, Gabeira, agora, estejam saindo, enquanto a base governista se alarga para tantos que, em vez de solidariedade com os torturados, estavam do lado dos torturadores nos anos de chumbo.
PS - O título da coluna é idéia de Marcos Augusto Gonçalves, editor de Opinião desta Folha.


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