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São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Violência e inocência

BRUXELAS- Vista de longe, a guerra de guerrilhas que o crime organizado decidiu mover contra o Estado, acoplada à tal "Operação Anaconda", assusta até mais do que quando se está no Brasil.
Afinal, os dois eventos acima citados são apenas as expressões mais visíveis, mais recentes, talvez mais espetaculares, do apodrecimento da segurança pública, fato que acaba sendo tomado, quando se vive em São Paulo (ou no Rio, suponho), como coisas da vida, algo tão inevitável como o nascer do sol todos os dias.
Quando se está longe, mas a volta é inevitável, o susto é maior, porque nos damos conta de que não foi no mundo todo que se tornou inexorável submeter-se à roleta-russa em que a violência transformou o cotidiano de paulistanos e cariocas.
Ao contrário, em países civilizados há margem até para a inocência. Domingo, por exemplo, um grupo grande de crianças, que pareciam ter entre 8 e 12 anos, pouco mais ou menos, brincava de roda com seus monitores em plena Grand-Place, o marco zero de Bruxelas, talvez a mais linda praça do planeta.
Cantavam, batiam palmas e, de repente, saíam correndo. Mas deixavam no chão da praça mochilas e agasalhos, aproveitando o fenômeno, raramente observado em Bruxelas, de não estar chovendo nem fazendo um frio obsceno no meio do outono.
Quando voltavam, mochilas e agasalhos continuavam exatamente no mesmo lugar, intactos.
Que criança, por muito inocente que ainda fosse, se arriscaria a fazer algo parecido na praça da Sé em São Paulo ou na Candelária no Rio? Ou mesmo em grandes praças de Belo Horizonte, de Porto Alegre, de Salvador ou de qualquer outra grande cidade brasileira? Ou até em cidades médias como Campinas?
Dirão os conformistas que é covardia comparar o Brasil com a Bélgica. Aceito que seja. Mas não é uma covardia maior ainda aceitar que o crime e a violência podem mais que os cidadãos inocentes?


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