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TRAGÉDIA ANUNCIADA
"A tragédia aconteceu porque houve um encontro da
massa de ar frio com a massa de ar
quente em um momento de pico de
temperatura". A frase da meteorologista Marlene Leal registrada na edição de ontem da Folha descreve com
precisão os sinistros acontecimentos
em Angra dos Reis (RJ), mas o faz
apenas do ponto de vista das ciências
da atmosfera. Como ensinou Aristóteles, para analisar plenamente um
fenômeno precisamos distinguir entre vários tipos de causa.
E, se foi o encontro inopinado de
duas massas de ar que ocasionou as
fortes chuvas que se abateram sobre
Angra, as mortes -que é o que caracteriza a tragédia- só ocorreram
porque havia pessoas em lugares que
não deveriam estar: nas encostas de
morros e outras áreas de risco que jamais poderiam ter sido ocupadas.
É verdade que choveu bastante e
que precipitações muito acima das
médias históricas constituem "um
problema em qualquer lugar do
mundo". Existe, contudo, uma grande diferença entre "problema" e "tragédia", e as tragédias só ocorrem
porque autoridades deixam de cumprir com suas obrigações ao fechar
os olhos para os mais variados tipos
de ocupação irregular do solo.
Na verdade, administradores públicos jogam com as estatísticas. A
esmagadora maioria das edificações
irregulares não cai com as enxurradas. Diante das centenas de milhares
de casas em áreas de risco que existem no país, as poucas centenas que
são levadas pelas águas anualmente
constituem uma aposta "aceitável".
A chance de não acontecer nada num
período de vários anos num dado
município é grande; já os votos perdidos em operações de retirada de
moradores são uma certeza.
Infelizmente, enquanto perdurar
esse tipo de mentalidade, o Brasil vai,
a cada verão, contabilizar dezenas de
mortos, porque massas de ar se encontram sobre lugares em que políticos, para não perder votos, fazem
vistas grossas para irregularidades e
torcem para que nada aconteça.
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