São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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TRAGÉDIA ANUNCIADA

"A tragédia aconteceu porque houve um encontro da massa de ar frio com a massa de ar quente em um momento de pico de temperatura". A frase da meteorologista Marlene Leal registrada na edição de ontem da Folha descreve com precisão os sinistros acontecimentos em Angra dos Reis (RJ), mas o faz apenas do ponto de vista das ciências da atmosfera. Como ensinou Aristóteles, para analisar plenamente um fenômeno precisamos distinguir entre vários tipos de causa.
E, se foi o encontro inopinado de duas massas de ar que ocasionou as fortes chuvas que se abateram sobre Angra, as mortes -que é o que caracteriza a tragédia- só ocorreram porque havia pessoas em lugares que não deveriam estar: nas encostas de morros e outras áreas de risco que jamais poderiam ter sido ocupadas.
É verdade que choveu bastante e que precipitações muito acima das médias históricas constituem "um problema em qualquer lugar do mundo". Existe, contudo, uma grande diferença entre "problema" e "tragédia", e as tragédias só ocorrem porque autoridades deixam de cumprir com suas obrigações ao fechar os olhos para os mais variados tipos de ocupação irregular do solo.
Na verdade, administradores públicos jogam com as estatísticas. A esmagadora maioria das edificações irregulares não cai com as enxurradas. Diante das centenas de milhares de casas em áreas de risco que existem no país, as poucas centenas que são levadas pelas águas anualmente constituem uma aposta "aceitável". A chance de não acontecer nada num período de vários anos num dado município é grande; já os votos perdidos em operações de retirada de moradores são uma certeza.
Infelizmente, enquanto perdurar esse tipo de mentalidade, o Brasil vai, a cada verão, contabilizar dezenas de mortos, porque massas de ar se encontram sobre lugares em que políticos, para não perder votos, fazem vistas grossas para irregularidades e torcem para que nada aconteça.


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