São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

Tão distante e tão perto

BRASÍLIA - No dia em que Marina Silva foi conhecer a fome e a miséria em Teresina, Henrique Meirelles estava tranquilamente trabalhando no gabinete refrigerado de Brasília.
Marina Silva nasceu no interior do Acre e foi alfabetizada pelo antigo Mobral lá pelos 14 anos, enquanto Meirelles sofisticou o currículo no circuito Washington-Nova York, como presidente do BankBoston.
Foi assim que Lula quis. Suou em bicas na quente Teresina, chafurdou os pés nas areias molhadas de Recife e botou câmeras de TV, de jornais e de revistas para mostrarem ao Brasil e ao mundo que a sua prioridade é o combate à fome e à miséria.
Símbolos, não mais do que símbolos, mas nunca se esqueça de que política é isso mesmo. É querer, antes de mais nada, e mostrar o que quer, simultaneamente. Lula quer, e quer mostrar, que sua preocupação mais profunda é a desigualdade entre os muito ricos e os paupérrimos.
Com isso, ele mantém a crença, a mobilização e o apoio popular, o que pode ser muito útil quando as coisas no Congresso ratearem. Como regra, parlamentares são duros negociadores com governos fracos, mas dóceis com governos populares.
A prioridade social é um dos eixos do governo Lula, o outro é a honestidade. Ele está indo muito bem no convencimento do primeiro, mas pode começar a derrapar no segundo. Por culpa do PL.
Numa semana, um avião cai com o presidente do partido em São Paulo, e ninguém se pergunta qual a história do avião nem do presidente do PL. Na semana seguinte, a revista "Isto É" envolve o ministro Anderson Adauto (Transportes) em desvio de dinheiro em Minas. Logo ele, que suspendeu contratos e ameaçou até gente honesta em nome da moralidade.
Hoje, essas coisas causam constrangimentos a Lula e ao PT. Amanhã, podem causar muito mais. O mesmo ímpeto que leva Lula a Teresina e a Recife para "mostrar" a miséria a seus ministros deve fazê-lo abrir os olhos para os aliados. Às vezes, o inimigo mora ao lado. Como a miséria.



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