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CARLOS HEITOR CONY
Jamelão
RIO DE JANEIRO - Aos 91 anos, José Bispo do Santos, que é Jamelão para
todos os efeitos, declara-se na prorrogação, diz que está no lucro. Apesar
disso, reclama que a Mangueira quer
aposentá-lo como puxador de samba, ele que continua sendo o maior
de todos, consenso e referência das escolas de samba.
Aliás, Jamelão também reclama
quando o classificam de "puxador"
de samba. Ele se define como intérprete de samba-enredo, mas é bem
mais do que isso. Assisti recentemente a um programa especial sobre ele e,
apesar de malfeito, de mal gravado e
de mal tudo, fiquei, como sempre, comovido com a sua voz, voz arrancada de dentro dele. Não se perde uma
palavra de seu canto fundo, caixa de
ressonância da dor, do ciúme, da distância.
Curiosamente, Jamelão parece autor das músicas que canta, embora
poucas sejam realmente de sua autoria, como o clássico "Fechei a Porta".
Mas quem garante que seus dois
maiores sucessos, "Folha Morta", de
Ary Barroso, e "Matriz e Filial", de
Lúcio Cardim, não são dele? Sua interpretação é tão sincera, tão dolorosa em alguns momentos, que as duas
canções passam a ser dele, metabolizadas pela sua voz, pelo seu jeito de
dizer a letra, de ir do grave ao agudo,
até mesmo desafinando um pouco,
mas na hora certa de desafinar.
Um de seus sonhos, parece que ainda não realizado, é gravar um disco
só com músicas de Lúcio Cardim, que
se tornou vítima preferencial do próprio Jamelão -tudo o que ele fez
acabou pertencendo mais ao intérprete do que ao autor.
É o caso daquele "quem sou eu"
que começa o "Matriz e Filial". O
"eu" em tom grave é Jamelão puro, só
dele, parece que ninguém mais tem o
direito de se proclamar: "Eu". Outro
sucesso de Cardim que é mais do cantor do que do autor: "Êta dor de cotovelo". Até mesmo o repertório tão
pessoal de Lupicínio Rodrigues não
resiste à voz de Jamelão, voz arrancada das entranhas da terra, de um
mundo que só ele viveu.
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