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TENDÊNCIAS/DEBATES
É correta a posição da Igreja Católica em relação ao aborto?
SIM
Uma vida a ser defendida
GERALDO LUIZ BORGES HACKMANN
A POSIÇÃO da Igreja Católica é
clara: defesa integral da vida
humana, da concepção até seu
declínio natural. Essa posição supõe
que a vida humana começa no momento da concepção, e não mais tarde, e termina de forma natural. Esse
modo de pensar não é exclusivo da
Igreja Católica: outros pensam assim
e o defendem da mesma forma.
Alguns argumentam, a favor do
aborto, que o feto ainda não é uma
pessoa, por lhe faltar a racionalidade.
Contudo, no embrião humano já está
presente tudo aquilo que a pessoa será ao longo de sua vida, do ponto de
vista biológico. O desenvolvimento
celular obedecerá aos códigos genéticos já presentes na hora da concepção, momento desencadeador do devir humano que lhe sucederá.
Não se pode esquecer que a vida humana não é apenas biológica. Nela está presente o que os gregos denominavam psique, a alma. É o princípio
vital, que a Sagrada Escritura, ao narrar a criação do homem, relata como o
"hálito da vida", que Deus soprou no
homem e o tornou "um ser vivente", o
"nefesh" (cf. Gn 2,7). O que Tomás de
Aquino, mais tarde, denominará alma, e o Magistério da Igreja, no Concílio de Viena (1312), entenderá como
forma "corporis" (cf. DS 902).
Por isso, a vida humana procede de
Deus, enquanto ela foi criada como
Sua "imagem e semelhança" (cf. Gn
1,27). E isso ocorre, agora, no momento exato da concepção de uma nova
vida humana. É o ato criador de Deus
se tornando, novamente, ação eficaz.
Daí se origina a dignidade da vida
humana, a ser respeitada e preservada por todos nós. E, de modo particular, pela mãe, que é a primeira responsável e a mais indicada, em primeiro
lugar, pela vida gerada em seu seio.
É a mãe que irá proteger o dom de
Deus gerado nela. Por isso, ela, no
momento da concepção, perde o direito de dispor sobre a nova vida, pois
o direito da vida recém-gerada compete a quem foi gerado, e não a quem
gerou. O livre-arbítrio da mãe não se
estende a decidir se a vida gerada nela, mesmo que alguns não a queiram
reconhecer como pessoa humana, irá
viver ou não. A vida gerada no seio da
mãe tem o direito de viver, por si mesma, porquanto é a "imagem de Deus",
de sua concepção até o seu declínio.
Essa posição não aumenta a pobreza. Esse argumento, usado em prol do
aborto, é uma falácia. Não é a condição econômica que dá o direito a gerar
ou não uma vida ou a viver. Compete
às autoridades governamentais garantir as condições para que as vidas
geradas tenham dignidade humana.
Realmente, a questão do aborto não
é apenas uma questão religiosa. Também é um problema dos governantes,
diante da necessidade do estabelecimento de políticas públicas que extirpem a miséria em que vive a maioria
da população do Brasil e promovam a
inclusão social, garantindo o direito
de nascer e o desenvolvimento de
uma vida digna para o nascituro.
Além disso, é necessário promover
uma educação sexual que supere o
modelo adotado até então e mostre
valores éticos e morais, sem os quais
continuarão sendo geradas vidas de
forma irresponsável.
A sociedade de hoje necessita não
só de técnicos mas de pensadores. Ao
progresso científico e tecnológico deve corresponder o aprofundamento
do espírito humano. Não basta tecnologia, é preciso filosofia e teologia.
Não basta saber usar, é preciso saber
pensar. Não basta uma cultura de informação. O povo brasileiro necessita
de educação fundamentada em valores verdadeiramente humanos, o que
inclui valores religiosos.
Como a dignidade da vida humana
se origina em Deus e, por isso, não depende de qualidade, ela se mantém
mesmo que a pessoa esteja doente ou
envelhecida -ninguém tem o direito
de abreviá-la. Quantos testemunhos
de felicidade são dados pelos que,
aparentemente, não têm motivos para tal, pois não têm um corpo perfeito
ou têm doença incurável. Daí que o
sentido de viver encontre sua motivação no espiritual, fazendo transparecer, exatamente, a sua dignidade.
Diante disso, desde a concepção até
os últimos momentos, a vida humana
é um dom a ser defendido.
GERALDO LUIZ BORGES HACKMANN, doutor em teologia e professor da Faculdade de Teologia da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), é padre, membro da Comissão Teológica Internacional e perito
da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina
e do Caribe, em Aparecida.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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