São Paulo, sábado, 12 de maio de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É correta a posição da Igreja Católica em relação ao aborto?

SIM

Uma vida a ser defendida

GERALDO LUIZ BORGES HACKMANN

A POSIÇÃO da Igreja Católica é clara: defesa integral da vida humana, da concepção até seu declínio natural. Essa posição supõe que a vida humana começa no momento da concepção, e não mais tarde, e termina de forma natural. Esse modo de pensar não é exclusivo da Igreja Católica: outros pensam assim e o defendem da mesma forma.
Alguns argumentam, a favor do aborto, que o feto ainda não é uma pessoa, por lhe faltar a racionalidade.
Contudo, no embrião humano já está presente tudo aquilo que a pessoa será ao longo de sua vida, do ponto de vista biológico. O desenvolvimento celular obedecerá aos códigos genéticos já presentes na hora da concepção, momento desencadeador do devir humano que lhe sucederá.
Não se pode esquecer que a vida humana não é apenas biológica. Nela está presente o que os gregos denominavam psique, a alma. É o princípio vital, que a Sagrada Escritura, ao narrar a criação do homem, relata como o "hálito da vida", que Deus soprou no homem e o tornou "um ser vivente", o "nefesh" (cf. Gn 2,7). O que Tomás de Aquino, mais tarde, denominará alma, e o Magistério da Igreja, no Concílio de Viena (1312), entenderá como forma "corporis" (cf. DS 902).
Por isso, a vida humana procede de Deus, enquanto ela foi criada como Sua "imagem e semelhança" (cf. Gn 1,27). E isso ocorre, agora, no momento exato da concepção de uma nova vida humana. É o ato criador de Deus se tornando, novamente, ação eficaz.
Daí se origina a dignidade da vida humana, a ser respeitada e preservada por todos nós. E, de modo particular, pela mãe, que é a primeira responsável e a mais indicada, em primeiro lugar, pela vida gerada em seu seio.
É a mãe que irá proteger o dom de Deus gerado nela. Por isso, ela, no momento da concepção, perde o direito de dispor sobre a nova vida, pois o direito da vida recém-gerada compete a quem foi gerado, e não a quem gerou. O livre-arbítrio da mãe não se estende a decidir se a vida gerada nela, mesmo que alguns não a queiram reconhecer como pessoa humana, irá viver ou não. A vida gerada no seio da mãe tem o direito de viver, por si mesma, porquanto é a "imagem de Deus", de sua concepção até o seu declínio.
Essa posição não aumenta a pobreza. Esse argumento, usado em prol do aborto, é uma falácia. Não é a condição econômica que dá o direito a gerar ou não uma vida ou a viver. Compete às autoridades governamentais garantir as condições para que as vidas geradas tenham dignidade humana.
Realmente, a questão do aborto não é apenas uma questão religiosa. Também é um problema dos governantes, diante da necessidade do estabelecimento de políticas públicas que extirpem a miséria em que vive a maioria da população do Brasil e promovam a inclusão social, garantindo o direito de nascer e o desenvolvimento de uma vida digna para o nascituro.
Além disso, é necessário promover uma educação sexual que supere o modelo adotado até então e mostre valores éticos e morais, sem os quais continuarão sendo geradas vidas de forma irresponsável.
A sociedade de hoje necessita não só de técnicos mas de pensadores. Ao progresso científico e tecnológico deve corresponder o aprofundamento do espírito humano. Não basta tecnologia, é preciso filosofia e teologia.
Não basta saber usar, é preciso saber pensar. Não basta uma cultura de informação. O povo brasileiro necessita de educação fundamentada em valores verdadeiramente humanos, o que inclui valores religiosos.
Como a dignidade da vida humana se origina em Deus e, por isso, não depende de qualidade, ela se mantém mesmo que a pessoa esteja doente ou envelhecida -ninguém tem o direito de abreviá-la. Quantos testemunhos de felicidade são dados pelos que, aparentemente, não têm motivos para tal, pois não têm um corpo perfeito ou têm doença incurável. Daí que o sentido de viver encontre sua motivação no espiritual, fazendo transparecer, exatamente, a sua dignidade.
Diante disso, desde a concepção até os últimos momentos, a vida humana é um dom a ser defendido.


GERALDO LUIZ BORGES HACKMANN, doutor em teologia e professor da Faculdade de Teologia da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), é padre, membro da Comissão Teológica Internacional e perito da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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