São Paulo, sábado, 12 de novembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Repressão e políticas sociais resolvem o problema dos distúrbios na França?

SIM

O restabelecimento da ordem republicana

HÉDI PICQUART

Há duas semanas a França vem sendo palco de violentos incidentes. O balanço dos acontecimentos que se desenrolam nos chamados bairros sensíveis, até o dia 10/11, quando escrevo este artigo, é de mais de 7.000 veículos incendiados, uma centena de edifícios públicos depredados ou destruídos e mais de cem policiais feridos.
Esses atos de violência têm como causa imediata dois acontecimentos trágicos ocorridos no departamento de Seine-Saint-Denis: uma agressão em Epinay, que resultou em morte, e a morte acidental por eletrocução de dois adolescentes que haviam penetrado em um transformador elétrico em Clichy-sous-Bois. Uma série de graves incidentes de violência urbana veio em seguida.
Não é a primeira vez que a França, assim como qualquer outro país, passa por acontecimentos dessa espécie. Vários fatores explicam a amplitude que os incidentes assumiram: o desafio às instituições, a rivalidade entre bairros, cidades e até regiões, a criminalidade, a "diversão" para os mais jovens. Por enquanto, nenhuma informação pode levar à conclusão de que esses incidentes têm partido de uma organização geral, pois eles não possuem nenhuma referência ideológica precisa nem líderes. São atos de pequenos bandos estruturados e oriundos de um mesmo território.
Mas esses acontecimentos também são condicionados por conflitos sociais mais antigos: a amplitude e a duração dos incidentes só podem ser explicadas por rancores mais profundos surgidos de uma sensação de injustiça diante de um sentimento de discriminação e exclusão em relação às esperanças de integração e igualdade de oportunidades.
A prioridade imediata é restabelecer a ordem republicana e fazer com que se respeite a lei. A segurança é um direito, e o respeito às regras, um dever. O primeiro dever do governo é o de garantir a segurança de cada cidadão, assim como a integridade de seus bens. Como ressaltou o primeiro-ministro, Dominique de Villepin, na Assembléia Nacional, o Estado será, no entanto, firme e justo.
O poder público colocou à disposição das autoridades locais instrumentos jurídicos, inclusive os que permitem que medidas excepcionais sejam tomadas, para enfrentar, em caso de necessidade, todas as manifestações de violência.
O governo reforçou os efetivos encarregados de fazer com que se respeite a lei, apelando em grande escala para as forças móveis, os serviços especializados (polícia judiciária, serviços de inteligência social etc.) e a reserva civil. Uma iniciativa em dois sentidos foi tomada: a informação (vigilância da internet e dos blogs) e as patrulhas uniformizadas, que são mais numerosas, mais bem equipadas e formadas para interpelar os delinqüentes pegos em flagrante e apresentá-los à Justiça. Até o dia 10/11, foram feitas 1.500 interpelações, 1.700 prisões temporárias e 235 condenações.
Além disso, só respostas de fundo nos permitirão resolver de modo duradouro essa crise. Nas zonas sensíveis, restabeleceremos o diálogo em todos os níveis. A polícia de bairro, que está em contato direto com a população, será reforçada. O prefeito, diariamente em contato com os problemas específicos de cada bairro, terá sua capacidade de ação incrementada. Por fim, as associações, que também têm um papel essencial, receberão recursos suplementares.
Os incidentes mais violentos tiveram como cenário regiões particularmente afetadas pelo desemprego. Por isso, a oferta de emprego para os jovens nas zonas urbanas sensíveis também é uma das maiores prioridades. Os esforços sem precedentes empreendidos pelo governo contra o desemprego desde o mês de junho devem apresentar resultados concretos em breve.
A situação do subemprego é outra decorrência das dificuldades observadas em nível escolar. Conseqüentemente, lutaremos contra o baixo desempenho na escola, facilitando particularmente o acesso ao aprendizado e à formação profissional e oferecendo mais apoio aos alunos de maior mérito.
Um dos motivos de frustração está ligado à degradação do ambiente dos grandes conjuntos suburbanos. Um dos objetivos estabelecidos pelo governo no que se refere às condições de vida é acelerar a renovação urbana, dentro do reduzido prazo de 18 meses, e a construção de novos conjuntos habitacionais populares.
Por fim, todas as possibilidades de luta contra as discriminações serão exploradas de modo a identificar outras medidas a serem adotadas. A Alta Autoridade de Luta contra as Discriminações e pela Igualdade de Oportunidades ganhará o poder de aplicar sanções: é preciso que, para diplomas e experiências iguais, as oportunidades também sejam iguais para todos.
Diante de uma crise dessa amplitude, tudo será feito para restaurar a confiança nos valores republicanos de integração e igualdade de oportunidades.


Hédi Picquart, 49, diplomata, é conselheiro de Imprensa e porta-voz da Embaixada da França no Brasil.


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