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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Noite e dia na cidade
SÃO PAULO - Num ensaio muito
amargo e brilhante sobre a cidade
-"Crônica da Província de São
Paulo", no livro "A (Des)construção
do Caos", da Perspectiva-, o psicanalista Tales Ab'Saber a certa altura
se detém na Oscar Freire, a rua "do
luxo extremado" paulistano.
Quando andamos por lá à noite,
depois de fechadas as lojas, "vemos
com clareza a natureza pobrezinha
do nosso provincianismo modernizado. Tudo não passa de meia dúzia
de fachadas malconstruídas (...),
que posam durante o dia de grande
espaço arquitetônico para a riqueza
das mercadorias". Ab'Saber chama
a atenção para o aspecto ridículo da
comparação entre aquelas "três ou
quatro quadras" de "trânsito assustado" e a Quinta Avenida de Nova
York ou, poderíamos acrescentar, a
avenida Champs-Élysées, de Paris,
onde a cidade tem precedência e é
maior que o apelo do consumo.
O autor conclui: "À noite, tudo se
revela: são acanhadas lojinhas de
uma cidade do interior, com meia
dúzia de produtos dentro".
Aproveitemos sua ideia, mas invertendo os fusos: quando visitamos a praça Roosevelt à luz do dia,
torna-se mais óbvia a ilusão da chamada revitalização do centro, da
qual a cena noturna criada ali seria
um dos sintomas. Isso não desmerece em nada o trabalho dos grupos
teatrais que lá estão, pelo contrário.
Sob o sol, a Roosevelt nos oferece
um espetáculo monótono de terra
arrasada: colunas pichadas, mendigos e noias escondidos ou vagando
sob as lajes úmidas, num espaço escurecido, quase deserto e coberto
de poças, de onde exala um cheiro
forte de mijo. Sobre a laje, uns poucos garotos parecem se dividir entre o skate e o baseado. Na rampa
espiralada de acesso, uma das pichações sugere: "Faixa de Gaza".
A Roosevelt é, na verdade, uma
antipraça, em que a estrutura de
concreto, bem acima do nível da
rua, repele o cidadão. Não parece
coincidência que essa construção
monstruosa, conectada ao viaduto
Costa e Silva, o Minhocão, tenha sido inaugurada em 1970, na presença do próprio Garrastazu Médici.
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