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RUY CASTRO
Publique-se a lenda
RIO DE JANEIRO - Se você assistiu ao filme "O Homem Que Matou
o Facínora" (1961), de John Ford,
recorda-se de como o senador Ransom Stoddard (James Stewart) narra para o editor do "Shinbone Star"
como fez toda a sua carreira política
em cima de uma fraude. Contrariando a lenda, não fora ele que matara o facínora (Lee Marvin) e, com
isso, trouxera a lei para aquela região do Oeste, mas o ex-pistoleiro
Tom Doniphon (John Wayne), tão
frio quanto o bandido.
O jornalista sorri, rasga as anotações e diz a frase que ficaria célebre:
"Quando a lenda se torna realidade,
publica-se a lenda". Há tempos,
uma amiga me perguntou de quem
era a frase. Respondi que, pelo visto,
era do escritor James Warner Bellah, autor do roteiro. E só há pouco
me dei conta de que o conceito já
existia e pode ter sido criado aqui
mesmo, no nosso quintal.
"O importante não é o fato, mas a
versão" -lembra-se? É a mesma
coisa. A frase, dos anos 40 ou 50, era
atribuída ao esperto político mineiro Benedito Valadares. Mas outro
político, também mineiro e também esperto, José Maria Alkmin,
estrilou: "Poxa, Benedito, eu inventei a história de que o importante
não era o fato, mas a versão. Você se
apropriou dela e agora todos acham
que é sua". Ao que Benedito, ainda
mais esperto, retrucou: "O que prova que ela está certa, meu filho".
Mas, e se a frase tiver vindo de
ainda mais longe no passado e não
for de nenhum dos dois? No começo do século, o romancista francês
Georges Duhamel escreveu: "Como
toda pessoa séria, não acredito na
verdade histórica, mas na verdade
da lenda".
Vale o escrito. Do presidente Lula
ao mais nulo vereador de aldeia, noventa por cento dos políticos brasileiros na ativa construíram suas
carreiras em cima da lenda, não da
realidade. Os restantes dez por cento ainda não se deixaram flagrar.
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