São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A cidade de São Paulo se prepara de forma adequada para combater as enchentes?

NÃO

Das causas às soluções

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS

PARA COMBATER exitosamente um problema, é preciso conhecer e eliminar suas causas. No caso das enchentes metropolitanas, os sucessivos governos -Estado e municípios- têm desconsiderado totalmente esse preceito metodológico básico e concentrado ações e atenções na busca de uma solução hidráulica simplista que, como panaceia tecnológica, os aliviasse do pesado ônus político de responder pelas calamidades públicas associadas ao problema.
Há décadas têm sido priorizados, quase com exclusividade, os dispendiosos serviços de ampliação e manutenção das calhas dos principais rios metropolitanos e, mais recentemente, a instalação dos deletérios piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais.
A realidade tem sido madrasta dessa lógica limitada e mostrado claramente que as obras hidráulicas estruturais, ainda que indispensáveis, são insuficientes para reduzir drasticamente a quantidade e a intensidade das enchentes na região.
As causas principais de nossas enchentes estão associadas a alguns fatores perfeitamente identificáveis.
Primeiro, há que considerar as características geológicas e hidrológicas naturais da região da bacia do Alto Tietê. Nas condições naturais, os rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros eram sinuosos e com baixíssima declividade, revelando que a região, antes do homem branco por aqui chegar, já demonstrava grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.
Não reconhecendo e não levando em conta essas características naturais, a metrópole desenvolveu-se sob a cultura da impermeabilização e da canalização e retificação de seus cursos d'água, reduzindo enormemente a capacidade original da região de infiltrar e reter as águas das chuvas.
Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água em tempos menores são escoados para drenagens naturais e construídas, incapazes de lhes dar vazão.
Agravando esse quadro, vêm sendo progressivamente ocupados os terrenos mais periféricos, de relevo mais acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão.
Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente, por meio de operações de terraplanagem, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos aos processos erosivos.
Como resultado direto, na região metropolitana de São Paulo, são produzidos anualmente por erosão cerca 3,5 milhões de m3 de sedimentos silto-arenosos, cujo destino inexorável é o assoreamento fantástico de toda a rede metropolitana de drenagem, reduzindo, com o entulho de construção civil e o lixo urbano lançados irregularmente, ainda mais sua já sobrecarregada capacidade de vazão.
Uma observação preocupante e que revela a pouca abrangência da atual estratégia de combate às enchentes: a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.
Se levar corretamente em conta esse diagnóstico, condição indispensável para o êxito no combate às enchentes, a administração pública deverá complementar seu programa com um audacioso grupo de ações que incidam diretamente sobre as causas maiores das enchentes.
Planejar e colocar regras claras e rígidas para o crescimento urbano. Aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação com expedientes técnicos de desimpermeabilização da área urbanizada e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares.
Concomitantemente, reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de construção civil e do lixo urbano.
Algumas ações pontuais da prefeitura -como a conservação das várzeas do Tietê a montante da barragem da Penha e a implantação de parques lineares- são auspiciosas, mas extremamente limitadas dada a dimensão da bacia do Alto Tietê, com 6 mil km2 e mais de 30 municípios.


ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática".

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