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TENDÊNCIAS/DEBATES
A cidade de São Paulo se prepara de forma
adequada para combater as enchentes?
NÃO
Das causas às soluções
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS
PARA COMBATER exitosamente
um problema, é preciso conhecer e eliminar suas causas. No
caso das enchentes metropolitanas,
os sucessivos governos -Estado e
municípios- têm desconsiderado totalmente esse preceito metodológico
básico e concentrado ações e atenções na busca de uma solução hidráulica simplista que, como panaceia tecnológica, os aliviasse do pesado ônus
político de responder pelas calamidades públicas associadas ao problema.
Há décadas têm sido priorizados,
quase com exclusividade, os dispendiosos serviços de ampliação e manutenção das calhas dos principais rios
metropolitanos e, mais recentemente, a instalação dos deletérios piscinões, verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais.
A realidade tem sido madrasta dessa lógica limitada e mostrado claramente que as obras hidráulicas estruturais, ainda que indispensáveis, são
insuficientes para reduzir drasticamente a quantidade e a intensidade
das enchentes na região.
As causas principais de nossas enchentes estão associadas a alguns fatores perfeitamente identificáveis.
Primeiro, há que considerar as características geológicas e hidrológicas
naturais da região da bacia do Alto
Tietê. Nas condições naturais, os rios
Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e outros eram sinuosos e com baixíssima
declividade, revelando que a região,
antes do homem branco por aqui chegar, já demonstrava grande dificuldade em escoar suas águas superficiais.
Não reconhecendo e não levando
em conta essas características naturais, a metrópole desenvolveu-se sob
a cultura da impermeabilização e da
canalização e retificação de seus cursos d'água, reduzindo enormemente
a capacidade original da região de infiltrar e reter as águas das chuvas.
Como decorrência, volumes crescentemente maiores de água em tempos menores são escoados para drenagens naturais e construídas, incapazes de lhes dar vazão.
Agravando esse quadro, vêm sendo
progressivamente ocupados os terrenos mais periféricos, de relevo mais
acidentado e com solos extremamente mais vulneráveis à erosão.
Opta-se, nessas condições topográficas, por produzir artificialmente,
por meio de operações de terraplanagem, áreas planas e suaves para assentar as novas edificações, implicando exposições cada vez maiores e
mais prolongadas dos solos aos processos erosivos.
Como resultado direto, na região
metropolitana de São Paulo, são produzidos anualmente por erosão cerca
3,5 milhões de m3 de sedimentos silto-arenosos, cujo destino inexorável
é o assoreamento fantástico de toda a
rede metropolitana de drenagem, reduzindo, com o entulho de construção civil e o lixo urbano lançados irregularmente, ainda mais sua já sobrecarregada capacidade de vazão.
Uma observação preocupante e
que revela a pouca abrangência da
atual estratégia de combate às enchentes: a metrópole continua a crescer cometendo os mesmos trágicos e
elementares erros que estão na origem de todos esses problemas.
Se levar corretamente em conta esse diagnóstico, condição indispensável para o êxito no combate às enchentes, a administração pública deverá complementar seu programa
com um audacioso grupo de ações
que incidam diretamente sobre as
causas maiores das enchentes.
Planejar e colocar regras claras e rígidas para o crescimento urbano. Aumentar a capacidade de retenção de águas de chuva por infiltração e reservação com expedientes técnicos
de desimpermeabilização da área urbanizada e instalação de reservatórios empresariais e domiciliares.
Concomitantemente, reduzir drasticamente os intensos processos erosivos que incidem sobre todas as
frentes de expansão urbana da metrópole, hoje palco de um verdadeiro
desastre geológico, assim como o lançamento irregular do entulho de
construção civil e do lixo urbano.
Algumas ações pontuais da prefeitura -como a conservação das várzeas do Tietê a montante da barragem da Penha e a implantação de parques lineares- são auspiciosas, mas
extremamente limitadas dada a dimensão da bacia do Alto Tietê, com 6
mil km2 e mais de 30 municípios.
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto
de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática".
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