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Louvor ao não-pacote
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Há palavras que a
gente lê uma vez em texto alheio e
promete que nunca vai usá-las, nem
que a vaca tussa -aliás, prometi
nunca usar essa expressão da vaca e
de sua tosse. E a estou usando, donde
se conclui que são débeis minhas promessas.
Mas a palavra em questão é ""louvaminheira". Se prevariquei em muitas
coisas ao longo da vida, pelo menos a
essa promessa fui de uma fidelidade
exemplar. Para ser exato: até o momento em que iniciei esta crônica.
Eis que comecei a ler e a ouvir comentários sobre a decisão de FHC de
não baixar pacote antes do Carnaval.
Boas e más línguas rosnavam que ele
aproveitaria o comprido feriado bancário promovido por aquilo que os jornais de antigamente chamavam de
""tríduo momesco".
Foram tantas e tamanhas as louvações que a palavra ""louvaminheiro"
ficou bailando à minha frente, como
aquele vagalume do soneto de Machado de Assis.
Antes de mais nada, o presidente
não baixou nenhum pacote porque
não recebeu sugestão nem autorização do FMI para isso. Logo, se alguém
tem de ser louvado, louvemos o FMI.
O curioso é que, na ânsia de louvar,
os louvaminheiros já estão louvando o
governo não por aquilo que ele faz,
mas pelo que deixa de fazer. Sendo assim, eu também devo ser louvado porque nunca estuprei freiras, nunca roubei os vasos sagrados do templo, nunca trucidei criancinhas nem escarrei
sobre a bandeira nacional e das nações amigas (nem das inimigas, é bom
que acrescente).
O deslumbrado louvor dos louvaminheiros credita a FHC a fidelidade às
palavras que ele diz ou escreve. Os fatos desmentem essa fidelidade, e ele
próprio já admitiu que um governante
tem uma ética específica, da qual fica
ausente a fidelidade a propósitos, promessas e palavras.
De resto, um pacote formal é desnecessário e até contraproducente. Preocupado em servir ao mercado, o governo de FHC se guiará no varejo do
dia-a-dia, e quanto menos pacotes
melhor.
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