São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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Louvor ao não-pacote

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Há palavras que a gente lê uma vez em texto alheio e promete que nunca vai usá-las, nem que a vaca tussa -aliás, prometi nunca usar essa expressão da vaca e de sua tosse. E a estou usando, donde se conclui que são débeis minhas promessas.
Mas a palavra em questão é ""louvaminheira". Se prevariquei em muitas coisas ao longo da vida, pelo menos a essa promessa fui de uma fidelidade exemplar. Para ser exato: até o momento em que iniciei esta crônica.
Eis que comecei a ler e a ouvir comentários sobre a decisão de FHC de não baixar pacote antes do Carnaval. Boas e más línguas rosnavam que ele aproveitaria o comprido feriado bancário promovido por aquilo que os jornais de antigamente chamavam de ""tríduo momesco".
Foram tantas e tamanhas as louvações que a palavra ""louvaminheiro" ficou bailando à minha frente, como aquele vagalume do soneto de Machado de Assis.
Antes de mais nada, o presidente não baixou nenhum pacote porque não recebeu sugestão nem autorização do FMI para isso. Logo, se alguém tem de ser louvado, louvemos o FMI.
O curioso é que, na ânsia de louvar, os louvaminheiros já estão louvando o governo não por aquilo que ele faz, mas pelo que deixa de fazer. Sendo assim, eu também devo ser louvado porque nunca estuprei freiras, nunca roubei os vasos sagrados do templo, nunca trucidei criancinhas nem escarrei sobre a bandeira nacional e das nações amigas (nem das inimigas, é bom que acrescente).
O deslumbrado louvor dos louvaminheiros credita a FHC a fidelidade às palavras que ele diz ou escreve. Os fatos desmentem essa fidelidade, e ele próprio já admitiu que um governante tem uma ética específica, da qual fica ausente a fidelidade a propósitos, promessas e palavras.
De resto, um pacote formal é desnecessário e até contraproducente. Preocupado em servir ao mercado, o governo de FHC se guiará no varejo do dia-a-dia, e quanto menos pacotes melhor.


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