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Orfandade
CLÓVIS ROSSI
SÃO PAULO - Transcrevo trechos de e-mails recebidos de leitores. Sei que
não representam uma pesquisa confiável e que tampouco podem ser tidos como representativos da sociedade em geral. Mas, por outros e-mails,
cartas, fax e conversas, tenho a sensação de que traduzem um pouco do estado d"alma de uma fatia do público.
O primeiro é de André Alves, comissário de bordo da Vasp, dispensado
em janeiro. Diz que a empresa ficou
lhe devendo três meses de salário.
Completa: "Nos últimos três meses,
tenho vivido de um empréstimo de
banco. Agora, o dinheiro chegou ao
fim. Não tenho mais condições de
cumprir meus compromissos. Mas, se
o meu patrão não cumpre, se o governo que tinha como símbolo uma palma da mão com cinco dedos representando cinco itens, na primeira
eleição, e na reeleição a bandeira do
combate ao desemprego, também
não cumpriu, por que eu, reles cidadão patriota, tenho que cumprir?
Exatamente porque sou reles".
André Alves termina dizendo que
sua manifestação "é parte de uma revolta que começa a massificar-se
mais e mais, que não tem fim e, no
caminho do fim, muito sangue vai
correr das veias do poder".
Já Manoel Silva diz ter lido em uma
revista semanal que a embaixatriz
do Brasil em Roma declarou ter recebido uma verba de 3,5 milhões (não
especifica de qual moeda) para a reforma do prédio da embaixada.
Pergunta Manoel: "Ela não se sente
envergonhada de levar tanto dinheiro de um povo sofrido que não tem o
direito de ter um salário mais justo?".
Repito: esse tipo de correspondência pode não retratar um estado de
espírito generalizado. Mas reflete,
com certeza, uma crescente sensação
de orfandade de uma parte da sociedade e de uma parte até certo ponto
privilegiada, a ponto de dispor de
mecanismos como e-mail. Pergunto-me o que estará pensando a parte inferior da pirâmide social.
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