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Perguntar não ofende
CARLOS HEITOR CONY
RIO DE JANEIRO - O recado que o presidente da República mandou à
classe política, da qual faz parte e da
qual é beneficiário, além de revelar
despreparo para a função executiva,
é espantoso.
A nação ficou sabendo, por quem
de direito, que a estrutura administrativa do país não é de nada, foi
montada para conseguir apoios e pagar favores eleitorais, financeiros ou
o que seja.
Se um cidadão vai a um ministério,
dar entrada num processo qualquer,
pode ser barrado por um contínuo
que ali está não por ser competente e
honesto, mas porque foi indicado por
a ou b. Ampliando esse exemplo de
base, o ministro despacha contra ou a
favor do processo, mas não tem habilitação técnica ou moral para isso.
Está ministro porque faz parte da
cota de determinado grupo que
apóia o presidente. É descartável, não
faz falta a nada e a ninguém. Se entende do assunto de sua pasta, ou nada entende dela, dá no mesmo. Como
disse o Greca, o importante não é ser
ministro: é ter sido.
Outro dia, um grupo de manifestantes andou xingando o presidente.
Aos poucos, ele está se habituando a
se deslocar pelo país de forma quase
incógnita, entrando nos edifícios pela
porta dos fundos. Lembro um tempo
em que JK, aqui no Rio, ia almoçar
na cidade, depois saía a pé, pelas ruas
do centro, com um ou dois amigos,
cumprimentava todo mundo, o único segurança à vista era o coronel Affonso Heliodoro, seu ajudante de ordens, que ia recolhendo cartões ou bilhetinhos.
Vi o presidente Dutra diversas vezes andando pela Cinelândia, a caminho da barbearia que ficava nos
fundos do Clube Naval. Esse tinha
uma cara feia, mas fazia o que era
possível, tirava o chapéu para aqueles que o saudavam. E andava sozinho, sozinho mesmo.
Mudou o país, mudou o povo ou
mudou a relação do poder com a sociedade?
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