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TENDÊNCIAS/DEBATES
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O governo deve reduzir a meta de inflação de 2011?
NÃO
Samba de uma meta só
ANTONIO CORRÊA DE LACERDA
DEFENDO QUE o Conselho Monetário Nacional deve manter
a meta de inflação de 4,5% para 2011. Isso porque, dada a combinação de políticas macroeconômicas em
prática no Brasil, uma diminuição da
meta só servirá de álibi para a manutenção de uma política monetária excessivamente conservadora.
Há de fato evidências no enfoque
baseado na teoria econômica ortodoxa de que, internacionalmente, uma
meta mais apertada tende a levar a
uma inflação mais baixa, na medida
em que faria convergir as expectativas para uma menor variação de preços e que tenderia a se consolidar na
prática.
O sistema de metas de inflação, que
está completando dez anos de implantação no Brasil, tem suas virtudes, mas também tem debilidades.
A virtude foi ganhar relativa credibilidade, o que proporcionou maior
previsibilidade na política monetária
e um horizonte mais transparente para o planejamento e as decisões dos
agentes econômicos.
No entanto, o sistema de metas de
inflação também apresenta grandes
distorções. A primeira é que a meta é
definida e acompanhada com base na
inflação "cheia" (o IPCA). O ideal seria focar em uma inflação núcleo,
mais liberta das influências conjunturais e também do grande impacto
da indexação remanescente de preços
ao IGP e IGP-M, como tarifas, aluguéis e outros.
Destaque-se que esses índices sofrem muita influência do comportamento dos preços no atacado e da taxa de câmbio. Ou seja, toda vez que há
um choque de preços de commodities
ou no câmbio, há um aperto na política monetária para derrubar os preços
livres de forma a compensar os demais aumentos e fazer convergir a inflação média para a meta.
A segunda anomalia está no horizonte muito curto de foco do sistema
de metas de inflação, o que engessa
demasiadamente a política monetária. O ideal seria flexibilizá-la, considerando um horizonte mais amplo,
de 24 ou 36 meses, por exemplo. Toda
política econômica envolve escolhas,
e o que deveria definir o conjunto das
escolhas é relação custo/beneficio de
cada medida.
O terceiro ponto é que o critério de
captura das expectativas do mercado
por meio do boletim Focus tem se
mostrado enviesado. Isso porque o
boletim publicado semanalmente pelo Banco Central, que expressa as expectativas do comportamento dos
principais indicadores futuros, é excessivamente centrado no mercado
financeiro. Seria oportuno captar
também as expectativas do setor produtivo, da academia e de outros segmentos importantes da sociedade.
A prática leva a uma situação em
que as expectativas tendem a se autorreferendarem. O "mercado", com
forte repercussão na mídia, expressa
o que acha que o Copom vai fazer em
cada reunião. Este, por sua vez, invariavelmente, tende a atender às expectativas do mercado, gerando um
pseudo consenso.
Talvez esse viés de foco ajude a explicar alguns evidentes erros de diagnóstico do Copom, expressos na ata
das suas reuniões. Isso fica especialmente evidente quando a economia
dá grandes viradas, o que só aparece
nos indicadores com defasagem, como ocorreu no quarto trimestre do
ano passado, com o agravamento da
crise internacional. Ao olhar fundamentalmente para o retrovisor, o
Banco Central procrastinou a redução da taxa de juros no Brasil e nos fez
importar uma parcela maior da recessão dos países ricos.
Por último, mas não menos importante, é a debilidade de o sistema de
metas de inflação ser o único objetivo
explícito do conjunto das políticas
macroeconômicas. Ou seja, ao centrar o foco da calibragem dos juros exclusivamente no curto prazo e na inflação, desconsidera outros efeitos
importantes sobre o nível de atividades, câmbio, investimentos, emprego
e renda, além do custo de financiamento da dívida pública.
Assim, por todos esses motivos, o
melhor mesmo é manter a meta, a
despeito da possível vantagem que
poderia trazer reduzi-la. Enquanto
persistirem as distorções apontadas,
na prática, o "samba de uma meta só"
acaba prevalecendo, fazendo com que
todos os demais objetivos dancem.
ANTONIO CORRÊA DE LACERDA, doutor pelo IE/Unicamp, é professor doutor do departamento de Economia
da PUC-SP e co-autor de "Economia Brasileira", entre outros livros. Foi presidente da Sobeet e do Cofecon.
aclacerda@pucsp.br
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