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São Paulo, domingo, 13 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A cúpula de Washington

RUBENS BARBOSA

No último dia 20 de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou-se, pela terceira vez em seis meses, com o presidente George W. Bush. Por seu simbolismo e pelos resultados alcançados, eu não hesitaria em qualificar o encontro de Washington como um marco na história das relações entre Brasil e EUA.
Encontro histórico, em primeiro lugar, pelo ineditismo do formato -uma reunião em que os presidentes se fizeram acompanhar de boa parte dos respectivos ministérios- e, sobretudo, pela própria iniciativa do presidente George W. Bush de propor que assim fosse. Juntos, discutiram amplo programa para os próximos anos do diálogo bilateral. Trata-se de avanço significativo no relacionamento, que passará a contar com foros e instrumentos de coordenação que os EUA, até agora, só mantinham com União Européia, Canadá e México; e o Brasil, com seus vizinhos sul-americanos.
Foi histórico também por indicar que a política externa norte-americana parece estar iniciando processo de diferenciação e de reconhecimento da importância do Brasil. O encontro de cúpula poderá representar oportunidade política inédita para que os dois governos trabalhem juntos a fim de operar, no relacionamento bilateral, mudança quantitativa e qualitativa que, por ora, ainda pertence ao domínio das transformações possíveis, mas não realizadas. Nesse sentido, no comunicado conjunto, nos documentos assinados e nas notas informativas distribuídas pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado, começam a se delinear novas áreas de convergência e de interesse setorial prioritário, uma nova moldura institucional e uma agenda positiva.
Ficou decidido que Brasil e EUA manterão diálogo regular e frequente sobre temas de interesse mútuo. Os dois governos acordaram a criação de arcabouço institucional para a realização de consultas de alto nível para a formação de grupos de trabalho conjunto, que tratarão do amplo leque de áreas nas quais se decidiu formalizar a cooperação. Aos já existentes mecanismos bilaterais de consultas de alto nível, que envolviam, pelo lado brasileiro, o Itamaraty e os ministérios da Defesa e da Educação e, pelo lado norte-americano, os departamentos de Estado, Defesa e Educação e o USTR, somaram-se outros, criados no dia 20 de junho, nas áreas de ciência e tecnologia, energia, crescimento econômico e agricultura.
Essa nova fase no relacionamento bilateral surge com o pleno reconhecimento das diferenças de posições e de percepções, de divergências na área comercial, do respeito mútuo e da defesa do interesse nacional.
A administração norte-americana mostra-se disposta a intensificar o diálogo e a cooperação com o governo brasileiro nas áreas indicadas como prioritárias por ambos os presidentes -ciência e tecnologia, energia, educação, saúde, crescimento econômico e agricultura- e a fazê-lo também em outros terrenos que, juntos, venhamos a identificar. Cabe ressaltar, em especial, pelas repercussões já havidas ou que poderão vir a ter, os seguintes aspectos examinados durante o encontro de cúpula:
Energia: pelas perspectivas de cooperação que se abrem para o Brasil, surge como a mais promissora das áreas de convergência e de conformação de uma agenda positiva.


Essa nova fase no relacionamento bilateral surge com o pleno reconhecimento das diferenças de posições


Reforma do sistema da ONU: pela primeira vez, o assunto, inclusive no que se refere à eventual candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança, foi tratado de maneira direta com o presidente dos EUA. Bush concordou com a necessidade de o sistema das Nações Unidas ser repensado, embora não se tenha manifestado especificamente quanto à reforma do conselho.
Fundos de investimento em infra-estrutura: o presidente Lula pediu apoio do governo norte-americano no sentido de recomendar às instituições financeiras que constituam fundos de investimentos para projetos de infra-estrutura na América do Sul.
Alca: o tema não foi objeto de negociações específicas. Ao se referir às responsabilidades dos dois governos como co-presidentes do processo negociador, o comunicado conjunto menciona janeiro de 2005 como prazo para o final dos entendimentos, conforme consta de todos os documentos acordados pelos 34 países desde 1994. Tal cronograma, no entanto, estará condicionado a que as negociações sejam realmente exitosas, o que, para o Brasil, significa um resultado equilibrado e mutuamente vantajoso com o qual todos os países possam se sentir vencedores.
Como comentário final, parece ser de nosso interesse começar, desde já, a trabalhar nos desdobramentos do encontro presidencial, nos vários caminhos apontados e consolidados na ocasião. O lado norte-americano tem indicado ao governo brasileiro suas prioridades e iniciativas concretas de cooperação bilateral para o médio e longo prazos, como, por exemplo, no tocante aos programas para a redução da pobreza no Brasil e, especificamente, ao Fome Zero.
De nosso lado, é necessário identificar setores e áreas dentro das prioridades agora estabelecidas para que se possa completar programa abrangente e objetivo, com base no qual iniciaremos a fase de realização dos compromissos assumidos pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush.


Rubens Antonio Barbosa, 65, diplomata, é o embaixador do Brasil em Washington. Foi coordenador nacional do Mercosul (1991-93) e embaixador no Reino Unido.


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