São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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ELIANE CANTANHÊDE

O trem e o maquinista

SÃO PAULO - Lula estava num bom momento ontem, primeiro dia do ciclo de debates da Folha com os candidatos. Só deixou no ar uma dúvida, talvez por ter ultrapassado de raspão a linha da demagogia. Foi quando enumerava as políticas que quer rever em seu eventual governo (tributária, agrária, previdenciária, política...) e tascou: tudo vai ser amplamente discutido com a sociedade.
Até aí, ótimo. É o que todos os candidatos dizem, é o que os cidadãos esperam. Mas Lula especificou. Que tipo de indústria se quer? Sentem-se todos para discutir! Que tipo de turismo e onde? Sentem-se todos! Que tipo disto e daquilo? Sentem-se todos!
Ao que o escaldado Clóvis Rossi reagiu: isso tem cara de "assembleísmo", e o governo pode acabar virando um "simpósio permanente".
Lula respondeu que "o trem vai continuar andando" enquanto o assembleísmo correr solto. Mas foi impossível não pensar que, se o PT já praticamente se autodevora, imagine se o presidente Lula sair fazendo discussões com os contrários para tudo. Nada vai andar. Nem o "trem".
Aliás, Lula mesmo lembrou que seu vice, José Alencar, defende a reforma tributária há 30 anos, o colunista da Folha Luís Nassif, há 20, e ele próprio, há pelo menos dez. E por que nunca saiu? Ora, ora, porque cada um tem uma reforma na cabeça. A coisa -ou "trem"- não anda.
Ninguém em sã consciência é contrário à consulta à sociedade e a governos participativos. Só que isso não pode virar diletantismo partidário nem guerra entre contrários. No PT, o limite não está claro. O partido e seus braços corporativos criticam o governo petista de MS, enfraqueceram o do RS, fustigaram o do DF e destruíram o do ES. Tudo usando o santo nome da democracia e da participação em vão.
É bonito como discurso de campanha, mas também pode ser prenúncio de muito barulho e de pouco resultado no exercício do poder.


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