São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Não dá para esperar

ALOIZIO MERCADANTE

As últimas semanas testemunharam um agravamento dos desequilíbrios financeiros e cambiais que afetam nosso país em função do corte das linhas de crédito externo e da redução do fluxo de investimentos estrangeiros.
Desequilíbrios que assumem proporções dramáticas, em virtude da situação de fragilidade e vulnerabilidade a que foi levada a economia brasileira pelas políticas econômicas adotadas a partir dos anos 90. Se não houver apoio internacional para suprir os recursos indispensáveis e reabrir as linhas de financiamento de curto e médio prazo e se o governo não atuar com responsabilidade e determinação, corremos o risco, ainda mesmo antes das eleições, de ver o país afundar no remoinho de uma crise financeira de proporções catastróficas.
O corte das linhas de crédito e do investimento reflete o aumento da "aversão ao risco" dos bancos e investidores norte-americanos, associado às dificuldades de recuperação da economia daquele país e às fraudes constatadas em várias de suas grandes corporações, que fizeram evaporar parte importante da riqueza financeira ficticiamente criada durante o ciclo expansivo dos anos 90 e criaram um ambiente de incerteza e volatilidade nos mercados financeiros.
Em consequência, produziu-se uma forte retração do crédito externo para os países emergentes, entre os quais o Brasil, cuja vulnerabilidade, tal como percebida pelo "mercado", tem levado a sucessivas pioras em sua classificação de risco, criando um mecanismo cumulativo de desequilíbrio entre a oferta de recursos e as necessidades de financiamento externo do país.


O recurso ao Fundo Monetário Internacional, embora possa dar algum "oxigênio", isoladamente não resolverá a crise


Como corolário, as empresas brasileiras têm crescentes dificuldades para rolar sua dívida externa. Os dados do Banco Central para o primeiro semestre deste ano indicam que somente cerca de 60% das amortizações de médio e longo prazo foram roladas. No caso das dívidas de curto prazo, essa porcentagem cai abaixo dos 50%, com tendência a retrair-se ainda mais. Pela primeira vez, as empresas têm dificuldades inclusive para obtenção de créditos comerciais para o financiamento das exportações.
A elevação da taxa de câmbio resultante desse desequilíbrio, embora possa gerar aumentos de renda para os exportadores e ampliar as possibilidades de substituição de importações, tende a agravar a situação fiscal, realimentar as pressões inflacionárias e ameaçar o equilíbrio financeiro das empresas com dívidas em dólares. Tentar reverter a crise cambial com políticas convencionais, dentro do quadro de estagnação que atravessamos, implicaria a anulação da capacidade do Estado de levar adiante investimentos e políticas públicas indispensáveis e aprofundaria a recessão da economia.
O país caminha, assim, para um impasse. A experiência ensina que é preciso adotar as medidas necessárias para enfrentar a crise antes que esta consuma os recursos disponíveis e torne inoperantes os instrumentos de política que ainda podem ser utilizados. O caso da Argentina, fantasma com o qual presidente da República ameaçou o país caso seu sucessor não tivesse a sua mesma "competência", é um exemplo de que a insistência na medicina monetarista somente leva a um abismo cada vez mais profundo.
O recurso ao Fundo Monetário Internacional, embora possa dar algum "oxigênio", isoladamente não resolverá a crise -basta recordar que já estamos pendurados no Fundo há quase quatro anos, em função de outra crise cambial. Sem o restabelecimento das linhas de crédito externo, um novo acordo servirá apenas para adiar o desenlace, endividar ainda mais o Estado brasileiro e deixar para o próximo governo uma herança de restrições imobilizadoras que podem comprometer por mais uma década o desenvolvimento do país.
A agenda de superação da crise não pode se limitar à negociação de apoio internacional. É necessário, paralelamente, atuar de imediato, com determinação e criatividade, na economia real, estabelecendo acordos emergenciais de defesa da produção e do emprego, fomentando atividades com capacidade de resposta no curto prazo e criando estímulos e mecanismos de apoio no nível microeconômico, que propiciem a expansão das exportações e a substituição de importações.
Entre estes incluem-se a eliminação da tributação em cascata e das isenções de tarifas de importação em produtos selecionados, a utilização dos recursos do BNDES para o estabelecimento de linhas de crédito específicas, a simplificação dos procedimentos para exportação e a organização e financiamento de facilidades e serviços para que as pequenas e médias empresas possam também se engajar no esforço de recuperação do saldo comercial.
O atual governo tem que assumir suas responsabilidades. Não são os candidatos à Presidência que têm de resolver o impasse a que foi levado o país pela combinação perversa de uma política econômica inconsistente, que o fragilizou, e de uma crise externa, resultante do próprio caráter do capitalismo contemporâneo, da qual somos hoje vítimas inermes.
O país não pode esperar que um próximo governo se instale para então enfrentar a crise. Esta tem de ser atacada desde já. E com uma perspectiva que privilegie a defesa dos interesses da produção e da nação brasileiras.


Aloizio Mercadante, 48, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal, é candidato ao Senado pelo PT-SP



Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
José Serra: Entender, querer, fazer

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.